Em 2023, o engenheiro de produção química, coordenador do Centro de Pesquisa em Economia Circular do Inova-USP Aldo Ometto embarca para a Austrália, onde fará seu pós-doutorado. Graças a uma parceria entre o hub de inovação da universidade paulista e a Griffith University, Ometto vai estudar as aplicações da circularidade no agronegócio, com foco em nutrientes.

O modelo circular é tido como uma das estratégias mais eficazes para a transição de um sistema linear, baseado na exploração agressiva dos recursos naturais, para práticas mais sustentáveis, regenerativas e inclusivas.

“A economia circular amplia a visão dos negócios e olha para o sistema como um todo. O foco não está apenas em reduzir custos, mas produzir novos valores por mais tempo”, diz Ometto, em entrevista ao NeoFeed. “E isso exige uma mudança radical de cultura.”

O processo é longo e complexo, mas o Brasil já conta com algumas iniciativas de sucesso, conta o coordenador do Inova-USP. Uma delas é a Campo Forte Fertilizantes, da JBS. Inaugurada em março passado, a empresa usa 25% dos resíduos orgânicos gerados pelas operações da companhia em bioinsumos. É o primeiro player da indústria de alimentos no Brasil a fabricar fertilizantes.

Outro exemplo de como os princípios da economia circular podem impactar positivamente a produção agrícola é o da Native. Pertencente ao grupo Balbo e responsável por 20% da produção mundial de açúcar orgânico, é o único empreendimento no país a ter o selo da ROC (Regenerative Organic Certified).

“Estamos em uma era de transição, de transformação, e estamos construindo esses novos modelos de negócios, com base na ciência e a partir da prática”, afirma o coordenador do Inova-USP. Veja a seguir, os principais trechos da conversa.

Qual é a proposta da economia circular?
Quando a gente ouve, pela primeira vez, o termo circular, vêm logo à mente aspectos relacionados à reciclagem e à recuperação de recursos. Em geral, o modelo circular é muito associado à produção de ciclos fechados, de materiais reinseridos no sistema, na tentativa de fazer com que as atividades humanas imitem a natureza. Esse, porém, é apenas uma das bases da economia circular. A economia circular é muito mais ampla do que as atividades operacionais relacionadas à recuperação de recursos. A economia circular amplia a visão dos negócios e olha para o sistema como um todo, buscando a integração dos diversos elementos para geração de valor. O foco não está apenas em reduzir custos, mas produzir novos valores – valores de longo prazo, com diversidade e efetividade.

Como aplicar os princípios da economia circular no agronegócio?
O mundo agro é de uma riqueza enorme e um dos maiores exemplos para a economia circular. A relação harmônica dos sistemas naturais com os sistemas produtivos é o cerne do agronegócio. Há vários modelos de produção que já incorporam os princípios da economia circular, como a agricultura regenerativa, a integração lavoura-pecuária-floresta, entre outros. Esses modelos pressupõem sistemas integrados, diversificados e de longo prazo. Com isso, trazemos algo que o mundo dos negócios está sempre buscando e sobre o qual se falou muito durante a pandemia – resiliência. Sistemas diversificados e eficientes são mais resilientes. Sem a diversificação, se uma determinada praga, por exemplo, ameaça uma cultura, um produto ou um processo, se perde tudo. Se eu tenho um sistema diversificado, o risco relativo ao negócio se reduz, pois tenho outras fontes de receitas, além de maior flexibilidade de suporte e ajustes.

Como fazer isso na prática?
Com modelos diversificados, integrando os ciclos biológicos naturais e produtivos, usando recursos renováveis, recuperando os recursos, projetando e gerenciando o sistema para a máxima eficiência e geração de impactos positivos. Em um modelo de economia circular, por exemplo, a produção de insumos acontece dentro do próprio sistema agroindustrial. Um bom caso é o da JBS que inaugurou uma empresa de fertilizantes. Ou seja, os fertilizantes são produzidos pelo próprio sistema. Com isso, aumentam as atividades internas, geram-se mais empregos e serviços associados, com impacto no desenvolvimento regional. Com a integração e a diversificação, é possível desenvolver novos produtos, novas receitas e novos valores. E os ganhos são econômicos, sociais e ambientais.

"É fundamental que a atividade agrícola tenha não somente o menor impacto negativo no clima, no solo, na água, mas que ela possa gerar impactos positivos"

Mas o que garante que esses sistemas, ainda que integrados e diversificados, não vão operar segundo padrões que, por exemplo, prejudiquem o meio ambiente?
Na concepção da economia circular, eu não vou desenvolver um processo que vai, em pouco tempo, degradar o solo. A visão não é de curto prazo. A nova forma de gestão visa modelos de maior produtividade, que sempre produzam com qualidade e em equilíbrio com o meio ambiente para se ter longevidade. É fundamental que a atividade agrícola tenha não somente o menor impacto negativo no clima, no solo, na água, mas que ela possa gerar impactos positivos. Esse é o desafio. Essa é a inovação do século 21. E esse modelo de negócio, com geração de valores de longo prazo, só é possível com uma visão sistêmica e com a inclusão de novos atores para a formação de um grande ecossistema de negócio. Todos têm a possibilidade de ganhar mais.

Qual é o papel das novas tecnologias na adoção de processos da economia circular?
Para conectar fluxos, processos, informações e pessoas, os modelos circulares podem usar o que de melhor a tecnologia tem a oferecer atualmente - internet das coisas, inteligência artificial, GPS, entre outros - o que favorece, por exemplo, o controle da qualidade do solo, a aplicação de biofertilizantes sem desperdícios. A economia circular é um processo de inovação sistêmica.

O agronegócio brasileiro está preparado para a economia circular?
O Brasil tem um universo de oportunidades em relação a seus recursos naturais quando usados de modo sustentável. No agro, há exemplos de sucesso, sim. Mas o grande desafio é o cultural - a incorporação da visão de negócios que busque a integração, a geração de valor, o longo prazo. Não estamos falando de uma nova tecnologia para cortar cana. Estamos falando de mudanças radicais no modo de enxergar os negócios, no modelo de produção e consumo, na cadeia, no sistema sócio-técnico. É um processo de décadas. Quando eu sugiro a um criador de gado que ele reserve uma parte de sua terra para uma plantação de cana, por exemplo, explicando que, com o ponteiro da cana, pode alimentar os animais, que, com os resíduos do gado, é possível fabricar fertilizante para usar na cana, ele me diz que só sabe mexer com cana, que a família sempre criou gado... Mas não é preciso que o mesmo proprietário, a mesma empresa faça tudo. Eles podem entrar em uma rede, na qual as atividades complementares são realizadas por outros proprietários, por outras empresas. Se todos se mostrarem abertos à integração, já é um passo enorme em direção a sistemas regenerativos, restaurativos e inclusivos.

E as grandes companhias?
Não se trata de tamanho, mas de uma nova mentalidade para os negócios. Estou no interior de São Paulo, um mar de cana. A queimada é uma das atividades básicas para a colheita. Na cidade de Sertãozinho, toda uma área foi reformulada para a produção de açúcar orgânico. As diferenças entre os dois modelos são enormes. Nos canaviais queimados, sacarose perdida. Na plantação orgânica, alta produtividade. A partir do açúcar orgânico, a empresa Native passou a produzir diversos produtos: chocolate, café, suco, cookies, massas. Esse é um bom exemplo de como os princípios da economia circular podem impactar o agronegócio, a partir de uma nova visão de negócios.