Brasília - O mercado financeiro cobra que o governo federal faça a lição de casa, aperte os cintos e realize um ajuste fiscal para evitar a explosão da dívida pública brasileira. Mas, se depender do Congresso, a maioria dos projetos que tratam deste assunto aumenta os gastos, em vez de cortá-los.
Um levantamento exclusivo do NeoFeed revela que as mudanças nas regras fiscais são alvo de 420 projetos no Congresso Nacional. Mas 70% das propostas, quase 300 deles, diminuem o controle dos gastos públicos, a partir de benefícios, isenções ou flexibilização de limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Do total de propostas, 63 tramitam no Senado. Destas, 48 propõem menos rigor no controle de gastos. Na Câmara, os deputados analisam 357 projetos, sendo que 248 deles aumentam gastos – só 109 endurecem a fiscalização ou os limites para despesas.
Na Câmara dos Deputados, o levantamento do NeoFeed identificou projetos que afrouxam o controle de gastos, como aqueles que dispensam apresentação de ajuste anual do IR para agentes comunitários de saúde, que alteram legislação sobre o lucro líquido, deduções de aluguéis, academias de ginástica, abatimento sobre gastos de empregados domésticos, além de redução de multas e de impostos de importação, entre outros.
Em relação a projetos que apertam o controle de gastos, há exemplos na Câmara de textos sobre pagamentos de aposentadorias de militares aposentados e alertas a autoridades policiais sobre crimes de sonegação ou apropriação indébita.
Fique Por Dentro
No Senado, os projetos que apertam o cinto nos gastos incluem aqueles que vedam pagamento de auxílio a parlamentares, cria índices de responsabilidade fiscal e reforça penalidades a estados que ultrapassarem limites de despesas.
Um projeto de lei complementar do senador Alessandro Vieira (MDB-SE) define um mecanismo automático para tentar equilibrar as contas: a redução obrigatória de até 10% dos benefícios tributários concedidos pelo governo sempre que houver déficit primário.
Na prática o texto altera o Novo Arcabouço Fiscal obrigando que o governo reduza de maneira linear todos os benefícios de natureza tributária, tributária e creditícia no montante equivalente a até 10%, sem discriminação de setor, do valor apurado no ano anterior.
Vieira, que é policial civil, diz que o lobby feito por categorias no Congresso inviabiliza cortes orçamentários pontuais. “O projeto cria uma regra simples e que resolve talvez a grande reclamação dos economistas do mercado financeiro, que é a curva desequilibrada da dívida pública. Eu deixo de ter déficit, eu começo a trabalhar para ter superávit.”
De acordo com o senador, é da natureza da atividade política média buscar a simpatia do eleitorado e essa simpatia vem muito mais facilmente com benesses, com mais facilidades do que com restrições.
“É muito mais difícil você comunicar que é primeiro necessário restringir gastos para depois você ter condições de fazer gastos públicos com mais qualidade. Então, talvez por isso, uma parte dos parlamentares prefira as soluções mais fáceis ou populistas”, diz Vieira.
O esforço para reduzir os gastos, de fato, não tem tido ajuda do Congresso. Nos últimos quatro anos, os parlamentares aprovaram projetos como o do piso dos enfermeiros da saúde pública, que chegaram a ser questionados pelo STF por causa da ausência inicial da fonte de recursos. Há várias tentativas de liberar recursos do Orçamento a partir de decretos de emergência ou perdão de dívidas.
A afronta ao controle de gastos não tem partido ou ideologia. Uma proposta foi abortada em vias de ser aprovada no plenário do Senado em dezembro do ano passado. Tratava-se de um texto que retira gastos com terceirização dos limites de despesas com pessoal previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, um lobby feito por prefeitos e governadores.
Aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), o texto foi retirado da pauta do plenário pelo então presidente do Senado Rodrigo Pacheco depois da reclamação de parlamentares de partidos como o PL e o PT, rivais no campo ideológico mas que se uniram para suspender a tramitação. O projeto ainda pode voltar ao jogo ao longo do ano.
Em entrevista ao NeoFeed na semana passada, Gilmar Mendes disse que as regras fiscais deveriam ser alvo de um grande debate entre os Três Poderes. “Vimos as perplexidades que o governo revelou sobre a disposição para fazer cortes e isso refletiu na taxa cambial.”
Na segunda-feira, 24 de março, Haddad, por sua vez, fez uma publicação nas redes sociais em que diz “gostar da arquitetura do arcabouço fiscal”, mas que defende reforçá-la com medidas como a do passado, escreveu o ministro.
Ele fez a postagem para justificar uma declaração feita durante evento do jornal Valor Econômico, que, segundo o ministro, havia sido distorcida ao longo do dia. “Para o futuro, disse que os parâmetros podem até mudar, se as circunstâncias mudarem, mas defendo o cumprimento das metas que foram estabelecidas pelo atual governo.”
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O Arcabouço Fiscal, aprovado ainda em 2023, substituiu o teto de gastos que valia desde o governo Michel Temer. A regra prevê que o crescimento das despesas no ano terá um limite de 70% das receitas - o arrecadado pelo governo com transferências e impostos - no ano anterior.
Os investimentos, por sua vez, terão um piso mínimo corrigido pela inflação. A atual regra também modificou a arquitetura da meta de resultado primário das contas públicas, que passaram a ter um limite de tolerância de 0,25 ponto percentual para mais ou para menos
O arcabouço fiscal estabelece meta de déficit primário zero para 2025 e superávit primário de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2026; 0,5% em 2027; e 1% em 2028.