Ter posição em ativos nos Estados Unidos é quase como falar uma segunda língua para os gestores brasileiros — tamanha a naturalidade com que o mercado local acompanha, precifica e se expõe ao maior centro financeiro do mundo. Mas, para a Genoa Capital, essa é a séria A dos investimentos. E o jogo principal da gestora sempre foi outro.

Nascida com DNA de emergentes, a Genoa prefere alocar risco onde acredita ter mais vantagem competitiva: mercados menos óbvios, mas onde é possível extrair um prêmio maior por fazer o dever de casa, com coleta local de dados e projeções próprias.

“Se for para ganhar US$ 100, a gente prefere fazer isso no México, no Chile ou no Brasil do que nos Estados Unidos, onde todo mundo está jogando”, diz André Raduan, cofundador e gestor da Genoa Capital.

"O dinheiro é igual. Só que no México, você está jogando a série C e nos Estados Unidos, a série A do campeonato", complementa.

Raduan fundou a Genoa em 2020 ao lado de Emerson Codogno, Mariano Steinert e Rodrigo Noel. Parte da equipe, incluindo os fundadores, são egressos do Itaú, onde faziam a gestão de R$ 22 bilhões na família de fundos Hedge Plus.

Na própria gestora, buscaram uma estrutura semelhante à que tinham no maior banco privado do País, com o máximo de informação possível e uma equipe robusta, formada por 36 profissionais.

“Queríamos largar grandes. Só colocamos uma trava de captação mais baixa. Em trinta dias, fechamos o fundo para captação, com R$ 7 bilhões”, diz Raduan.

Embora envolva custos elevados, a estratégia tem se mostrado bem-sucedida. Mesmo em meio a diversas crises, como pandemia, guerras e turbulências fiscais, o Genoa Radar, fundo mais antigo da casa, acumulou um retorno de 79,75% nesses cinco anos, contra 56,29% do CDI no mesmo período.

A boa performance tem contribuído para a gestora seguir crescendo na contramão dos pedidos de resgate dos multimercados, que drenaram mais de R$ 600 bilhões dessa classe de fundos nos últimos anos.

Hoje, com R$ 17 bilhões sob gestão e 76 funcionários, a Genoa concentra esforços no monitoramento de cerca de 10 países emergentes. Alguns, distantes do horizonte dos gestores locais, como República Tcheca, Hungria e África do Sul. Nenhum desses mercados, no entanto, tem animado mais a gestora do que o brasileiro.

O atual patamar da taxa Selic, elevada na última reunião do Copom para 15%, é um dos pilares da tese. Na avaliação da gestora, o nível é alto o suficiente para favorecer o real em relação a moedas de outros países, mas não o bastante para causar grandes danos à atividade econômica.

“Subimos os juros, enquanto os outros países reduziram. Então, nosso carry trade está muito destacado. Acredito que é a razão para a performance do real neste ano e o motivo por ainda estarmos otimistas com a moeda no curto prazo”, diz Emerson Codogno, cofundador que também atua como um dos gestores.

Ao mesmo tempo, acrescenta ele, o dólar tem perdido força no mundo, com a economia desacelerando mais nos Estados Unidos do que em outras regiões.

Emerson Codogno, cofundador da Genoa Capital
Emerson Codogno, cofundador da Genoa Capital

“O chamado ‘excepcionalismo americano’ já não é tão claro. Então, há uma reversão do fortalecimento do dólar, que foi preponderante nos últimos anos. Isso ajuda nossa moeda”, afirma Codogno.

A força da atividade econômica brasileira, mesmo com a maior taxa de juros desde 2006, é um ponto que tem surpreendido a equipe da Genoa. Raduan atribui esse efeito ao aumento da oferta de crédito via FIDCs e debêntures e à maior competição bancária.

“É um cenário completamente diferente do de cinco anos atrás. Essa maior penetração acabou reduzindo os spreads. Então, o juro que se praticava antes não tem o mesmo efeito na ponta”, diz o cofundador. “É ótimo que o mercado de crédito esteja se desenvolvendo. Vai aumentar a potência da política monetária. Mas, nesse processo, está aumentando o crédito das pessoas.”

Os gestores também têm alguma esperança de que ao menos parte das ineficiências fiscais seja endereçada, com uma eventual mudança de ares em Brasília. Diante da constante perda de aprovação do atual governo, Raduan considera que um nome ligado à centro-direita e com menor nível de rejeição pode ser “amplamente favorito” na próxima corrida presidencial.

Se as previsões se confirmarem, Codogno comenta que o mercado pode começar a precificar esse cenário eleitoral antes do habitual. “Na Argentina [com Milei], teve muita mudança de preço. Então, acho que o mercado fica mais aflito de perder o rali.”

Ainda que em proporção menor do que no país vizinho, eles acreditam que a vitória de um governo fiscalista tem o poder de alavancar significativamente os preços no mercado local.

“Pode ser uma mudança muito relevante. O ajuste fiscal tem que ser feito e é muito menor que o de Milei na Argentina. Dá para ficar bastante animado. É um rali grande”, afirma Raduan.

Do valor total sob gestão, a gestora tem R$ 16 bilhões em estratégia multimercado macro, R$ 360 milhões em long biased  e mais R$ 660 milhões em uma estratégica sistemática. Os fundos são distribuídos via plataformas e estão abertos para captação.

Sistematização e IA

Todas as variáveis no processo de investimento da Genoa, como política, atividade econômica, juros ou mesmo dados microeconômicos, têm sido sistematizadas internamente nos últimos anos. Além de ajudar a escalar o universo de cobertura, toda essa sistematização deu origem a um produto em que toda decisão é automatizada com base nos padrões pré-estabelecidos pela casa.

“Não é um fundo quantitativo. No final, alguém executa. Mas é sistematizado, sem o julgamento humano”, diz Raduan.

Na avaliação do gestor, o produto discricionário ainda tem um valor superior, por entender melhor nuances políticas. “Talvez no futuro não seja, mas hoje ainda é uma vantagem.”

Como compensação, diz ele, o fundo sistemático consegue acompanhar um número muito maior de ativos. No mercado de câmbio, por exemplo, chega a operar 19 moedas, enquanto o fundo discricionário acompanha cerca de dez e opera apenas de cinco a dez ao mesmo tempo.

Batizado Sagres, o fundo sistemático da Genoa vem se firmando como uma das referências da categoria. Formado há dois anos, o fundo tem retorno acumulado de 37,18%, 13,30 pontos percentuais acima do CDI. A Genoa tem R$ 660 milhões alocados na estratégia sistemática, apenas uma fração dos R$ 16 bilhões geridos no multimercado macro. Há ainda um fundo long biased com R$ 360 sob gestão. As estratégias estão abertas para captação, com os fundos distribuídos por plataformas.

A mesma equipe responsável por sistematizar os processos dentro da gestora foi a que iniciou os projetos de inteligência artificial na casa. Segundo Raduan, vários processos que eram feitos manualmente no início foram automatizados com a tecnologia. A utilidade, conta, vai desde a seleção das principais notícias do dia até a análise de ativos e a recomendação de investimentos.

Para isso, a Genoa abastece sua própria inteligência artificial com o máximo de dados, incluindo transcrições de reuniões feitas internamente. “Hoje em dia, ela está mais em cima de macro e moedas. Estamos começando a implementar em renda variável, onde achamos que será o grande salto. Aí, em vez de acompanhar 50 empresas, passa-se a acompanhar 1.000, e com certa tranquilidade.”

Para Raduan, o futuro passa por cada gestora ter sua própria tecnologia de inteligência artificial. “Acho que se não tiver, não vai sobreviver. E ainda acho que estamos muito longe de ter alguma empresa que forneça algo assim. As pessoas vão ter que fazer coisas novas.”

A consequência, projeta, serão gestoras com menor número de funcionários, mas com equipes mais sêniores e altamente relevantes para o processo decisório.

“Tudo que a IA faz é responder muito bem perguntas. Mas você tem que saber formular as perguntas. Se você pensar, o computador não faz nada sozinho. Você tem que provocá-lo”, diz ele. “Provavelmente, vai precisar mais de pessoas que saibam fazer as perguntas. Acho que se tinha que ter 30, vai precisar de 15 ou 10 funcionários. Mas ainda vai precisar.”