Em 7 de junho de 2021, o Ibovespa registrou sua máxima histórica ao se aproximar da marca dos 131 mil pontos. De lá para cá, o principal índice de ações da B3, que fechou o pregão da quinta-feira, 17 de março, na casa dos 113 mil pontos, acumula uma desvalorização de mais de 13,5%.
Neste ano, essa trajetória descendente chegou ao seu menor nível, próximo dos 100 mil pontos, em janeiro. Desde então, apesar de alguns sinais de reação, os fatores que explicam essa derrocada seguem sendo precificados, acrescidos pelas sombras de um novo componente: a guerra entre Rússia e Ucrânia.
Por trás desse quadro está o que a Kinea Investimentos chama, em uma carta divulgada a clientes, de “A Noite Escura”. No texto, a gestora ligada ao Itaú fala sobre as perspectivas da bolsa brasileira e aponta algumas das ações e setores da economia mais seguros para o investidor nesse contexto.
Dentro desse universo, que inclui mais de 100 empresas de capital aberto cobertas por seu time de analistas e traders, a gestora destaca três “pontos de luz” para atravessar o cenário, a princípio, sombrio de 2022: o trio formado pelas companhias Orizon, Vivara e grupo GPS.
Mesmo com o conflito na Europa, que trouxe fatos novos no contexto global e que teve início após a divulgação da carta, a Kinea manteve essas recomendações.
“Desde o segundo semestre de 2021, as bolsas de países emergentes despencaram”, diz, ao NeoFeed, Rafael Oliveira, gestor dos fundos de ações da Kinea, que tem R$ 58,7 bilhões de ativos sob gestão. “Mas nenhuma apanhou tanto como a nossa, que se tornou uma das mais baratas do mundo.”
Essa “escuridão” que assola o mercado brasileiro de capitais começou a tomar forma na segunda metade de 2021, quando o Brasil passou a enfrentar questões que só agora estão entrando na pauta de outros países.
O pacote inclui a alta na taxa básica de juros promovida pelo Banco Central, para controlar a inflação. E que foi elevada, novamente, na última quarta-feira, a 11,75%, o maior patamar desde 2017.
Outros ingredientes envolvem a projeção de um crescimento mais fraco da economia, em 2022, além da antecipação - e da permanência - do debate acerca das eleições no calendário do mercado.
“Essa precificação já está feita e começa a mostrar exageros”, afirma Oliveira. “Os múltiplos de preço por lucro e o prêmio de risco estão nos mesmos níveis que 2016, um dos piores momentos da economia brasileira, e da crise de 2018. Apesar de todo cenário global conturbado, isso não se justifica.”
O gestor inclui em sua avaliação os impactos da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Sob a ótica positiva, no curto prazo, ele cita o efeito nas ações e as oportunidades para os ativos locais exportadores de commodities, que representam 40% da bolsa brasileira. Especialmente diante da importância, em particular da Rússia, no comércio global de produtos dessa ordem.
“A Petrobras não exporta muito para a Europa. Mas as dificuldades que a região está enfrentando no momento podem abrir mais esse mercado para a empresa”, diz. “A BRF também pode se beneficiar, já que a Ucrânia é um dos seus grandes rivais na exportação de frango para o Oriente Médio.”
Em contrapartida, de largada, esse contexto impacta duramente o poder de compra dos consumidores brasileiros e segue pressionando os preços das já corroídas ações do varejo e do comércio eletrônico.
Apesar desse efeito, Oliveira vê espaço para a apreciação do real no médio prazo e, por consequência, uma abertura para a reversão da inflação. Especialmente, a partir do segundo semestre, o que poderia gerar uma revisão para cima das expectativas de lucros das empresas.
“Pode parecer um contrassenso, já que estamos falando de inflação no curtíssimo prazo, mas esse é um call aqui da casa”, diz o gestor. “Caso essa tendência se confirme, as empresas vão conseguir repassar a inflação para os preços agora e, ao mesmo tempo, se beneficiarem de um recuo na inflação de custos.”
Os possíveis desdobramentos da guerra envolvem outras duas questões. Do lado positivo, a tendência da migração dos investidores estrangeiros em mercados emergentes da Rússia para o Brasil. O que acentuaria uma tendência que já vem sendo acelerada desde novembro de 2021.
Segundo dados divulgados pela B3, do início do ano até a quarta-feira, 11 de março, o saldo dos aportes de investidores estrangeiros na bolsa brasileira é de mais de R$ 71 bilhões. O montante está acima do volume total relativo a todo o ano de 2021, de R$ 70,7 bilhões.
Do lado negativo, caso a guerra se prolongue por muito tempo, ele destaca o risco de uma recessão global. Expresso em fatores como a falta de alimentos e em uma nova disrupção nas cadeias de suprimentos, o que impactaria na revisão para baixo das expectativas de lucro das companhias.
OS PONTOS DE LUZ
No balanço de prós e contras, Oliveira usa os fundos que administra para exemplificar o que, em sua visão, seria um portfólio ideal de investimentos diante desse quadro. Atualmente, os fundos sob sua alçada representam R$ 1,2 bilhão do volume total sob gestão da Kinea.
Além dos bancos, a maior parte dos recursos do fundo está alocada, claro, em ações ligadas a commodities e boas pagadoras de dividendos, como Petrobras, Vale, Gerdau e companhias de utilities, como CPFL e EDP.
Ao frisar, porém, que esse é um ano para o stock picking, ou seja, para garimpar ativos na B3, ele também ressalta que é preciso olhar para papéis que, mesmo com pouca representatividade no Ibovespa, têm uma margem mais ampla para a expansão de receita e lucro em 2022.
“Nós procuramos selecionar criteriosamente alguns ativos domésticos que estão crescendo e indiferentes a esse cenário”, diz. “O objetivo era trazer nomes diferentes para essa discussão.”
Com esse olhar seletivo, a Kinea pinçou Orizon, Vivara e GPS como exemplos de companhias que podem ajudar a iluminar o caminho dos investidores rumo a um potencial de retorno bastante favorável no ano.
Confira abaixo os “pontos de luz” que embasam as escolhas da gestora:
Orizon
Avaliada em R$ 1,9 bilhão, a Orizon abriu capital em fevereiro de 2021. Desde então, suas ações acumulam uma valorização de 18,5%. No terceiro trimestre do ano passado, a companhia reportou uma receita líquida de R$ 99,8 milhões, um crescimento de 2,3% sobre igual período de 2020.
Desde o IPO, a Orizon vem buscando tomar a frente no desenvolvimento e na consolidação do mercado ainda nascente de destinação e tratamento de resíduos sólidos. Em fevereiro desse ano, por exemplo, o grupo assumiu o controle de um aterro sanitário da CGR Ambiental, em Cuiabá (MT), por R$ 66 milhões.
A maior transação, porém, veio em novembro de 2021, com a compra de sete aterros da Estre Ambiental, no valor de R$ 840 milhões. Com o acordo, a Orizon dobrou de tamanho ao arrebatar ativos em São Paulo, Sergipe, Alagoas, Rio de Janeiro e Goiás.
“O Marco Legal do Saneamento jogou luz sobre os aterros, que têm ainda a expectativa de um marco próprio”, diz Oliveira. “Há um cenário positivo sendo criado e, além de ser a mais bem posicionada do setor, a Orizon chama atenção pela capacidade de gerar novos negócios e receitas a partir do lixo.”
Em paralelo à construção de sua rede de aterros, a Orizon está desenvolvendo novos modelos para rentabilizar ainda mais esses ativos. O leque inclui frentes como a geração de biogás e de energia nessas instalações, e uma plataforma para a venda de créditos de carbono e de reciclagem no varejo.
Para destacar o potencial da ação, que encontra ainda motores na demanda crescente por ESG, a Kinea ressalta que, atualmente, a Orizon negocia 5 vezes o seu Ebitda projetado para o fim de 2022. Enquanto a americana Waste Management, seu par em um mercado mais maduro, negocia a 15 vezes.
“Até o fim de 2024, é bem provável que a Orizon dobre novamente de tamanho”, diz Oliveira. “E mesmo com um mercado ainda não comparável aos Estados Unidos, estamos falando de um potencial para multiplicar por seis o valor da empresa.”
GPS
Empresa de terceirização de serviços e mão de obra em setores como segurança, logística e alimentação, a GPS é outra ação escolhida pela Kinea na leva de IPOs recentes na B3. Desde a sua oferta, em abril de 2021, o grupo, avaliado em R$ 10,1 bilhões, viu o valor de suas ações subirem 25,7%.
De um lado, a Kinea projeta um crescimento orgânico de mais de 10% para a GPS nos próximos anos. O maior potencial para o ativo, no entanto, reside na consolidação do setor, formado, em sua maioria, por empresas de menor porte.
A GPS tem se mostrando bastante ativa em aquisições. Foram dez acordos desde o IPO, dois deles em 2022. Anunciado na última terça-feira, 15 de março, o mais recente envolveu a compra da Sulzer, empresa de serviços de manutenção industrial, com forte presença no Rio Grande do Sul.
“Esse é um mercado mais maduro e que, provavelmente, vai se limitar a, no máximo, três players. A GPS será, com certeza, um deles”, observa Oliveira. “As empresas de menor porte não têm muito o que fazer nesse contexto e estão sendo vendidas por preços módicos.”
Além do valor baixo dos ativos nesse balcão, o gestor ressalta que a GPS está incrementando seu portfólio com serviços complementares. E, ao plugar essas empresas em seu ecossistema, está automaticamente turbinando suas receitas e gerando valor à operação.
Os números do grupo em 2021 mostram um pouco desse cenário. No ano, a GPS reportou uma receita líquida de R$ 6,61 bilhões, alta de 34% sobre 2020. As aquisições no período contribuíram com R$ 1,86 bilhão dentro desse montante. No exercício, o lucro líquido cresceu 41%, para R$ 400 milhões.
Ainda sem considerar as duas últimas aquisições, a Kinea projeta uma taxa de crescimento anual de receita e lucro para a GPS de 24% para os próximos cinco anos, o que, segundo a gestora, resultaria em uma “rápida compressão do múltiplo preço/lucro da ação”.
Vivara
Embora esteja inserida em um segmento extremamente impactado pelo cenário macroeconômico, a Vivara completa o trio de escolhas da Kinea. E a gestora recorre alguns componentes para justificar a inclusão da joalheria nessa lista seleta.
O primeiro deles é o fato de a empresa centrar seu negócio nos consumidores das classes A e B, com bolsos menos expostos à perda de poder de compra. Ao mesmo tempo, a empresa ampliou sua atuação nesse espaço, com a Life, sua marca de joias mais acessíveis.
“Além de diversificar a operação, a Life tem lojas menores, o que abre espaço para um crescimento mais rápido e agressivo dessa rede”, afirma Oliveira. Em 2021, a empresa inaugurou 41 lojas, sendo 21 unidades da Vivara e 20 da Life, encerrando o ano com 288 pontos de venda.
Ainda no plano de expansão, Oliveira observa que a Vivara vem crescendo em duas vias. De um lado, a companhia vem aproveitando para ocupar o espaço de players regionais, que ficaram fragilizados durante a pandemia.
“E eles também estão ganhando market share dos principais nomes do setor”, afirma o gestor. “A Pandora não soube operar no Brasil e está reduzindo sua operação no País. E a HStern ainda lida com os efeitos de um problema sério relacionado à corrupção e política.”
Em 2017, a H.Stern fechou um acordo de colaboração com o Ministério Público Federal após a acusação do envolvimento de funcionários da companhia em um esquema de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. No ano passado, a joalheria esteve no centro de especulações de uma possível aquisição, encampada, justamente, pela Vivara.
Nesse cenário, dados da consultoria Euromonitor mostram como a Vivara está bem posicionada entre as quatro principais redes, que dominam 19,4% desse mercado. A empresa detém uma fatia de 13,1%, enquanto Morana, Pandora e HStern têm, respectivamente, 2,8%; 2%; e 1,5%.
Outros números reforçam o bom momento da companhia, avaliada em R$ 6 bilhões. Em 2021, a Vivara apurou uma receita líquida de R$ 1,46 bilhão, alta de 40% sobre 2020. O lucro líquido cresceu 103,5%, para R$ 298,4 milhões.