A possibilidade da Aegea, a maior empresa privada de saneamento do País, abrir o capital para seguir investindo pesadamente no setor sempre foi especulada. Com atuação em 489 cidades de 13 estados, atendendo 30 milhões de pessoas, era natural fazer um IPO para obter dinheiro novo para tocar, além das concessões, 7 parcerias público-privadas e a única privatização do setor, da ex-estatal gaúcha Corsan.
No fim de junho, Alfredo Setúbal, CEO da Itaúsa – holding controladora do Itaú Unibanco que tem participação de 12,88% na Aegea – chegou a anunciar que a empresa de saneamento estava preparando o IPO.
Os planos, aparentemente, mudaram. Depois levantar R$ 5,54 bilhões com debêntures emitidas em duas séries no começo do mês, para financiar a operação das Águas do Rio (a concessão de dois blocos da Cedae, no Rio de Janeiro, a maior do país, com R$ 15,4 bilhões em outorga), a Aegea deixou de lado a abertura de capital na Bolsa, mas mantém o apetite para investir.
Nesta entrevista ao NeoFeed, o CEO da Aegea, Radamés Casseb, revela que o foco da gigante de saneamento são concessões plenas de regiões vulneráveis do Nordeste. “Queremos atender a população de menor renda, para prestar serviço e melhorar a eficiência”, diz Casseb. “É o trabalho que a gente se especializou: resolver palafita, comunidades, Baixada Fluminense, despoluição.”
As PPPs também estão na mira, de preferência em regiões onde a empresa já atua, pois exigem menos investimento inicial. A Aegea acaba de vencer o primeiro lote de PPP da Sanepar (companhia de saneamento do Paraná) e Casseb deixa entender que vai brigar pelos próximos dois lotes que irão a leilão.
A Aegea acabou de assumir a Corsan. Quanto às privatizações, nenhuma parece estar no horizonte da empresa. A provável privatização da Sabesp, sob uma modelagem de follow on, com participação remanescente no final, ou de uma estruturação padrão Eletrobras, não interessa à empresa. “Somos operadores de saneamento, não queremos ser sócios.”
Casseb diz que para a universalização do saneamento no Brasil ser obtida até 2033, como exige o marco regulatório do setor, é preciso ampliar as frentes de desenvolvimento de projetos, além dos oferecidos pelo BNDES, e reduzir o tempo entre a formatação e o edital, segundo ele muito longo. “Isso, juntamente com a percepção de segurança jurídica e regulatória, vai atrair capital externo”, diz.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista do CEO da Aegea ao NeoFeed.
Há muito se fala da intenção da Aegea fazer um IPO, mas há poucas semanas a empresa emitiu R$ 5,5 bilhões em debêntures. A Aegea planeja abrir o capital?
Não, o IPO não vai acontecer agora, nem a curto nem a médio prazo. É claro que avaliar novas fontes de capital para poder crescer é sempre um exercício estratégico e está sempre na mesa. Mas, olhando o horizonte de hoje até o fim de 2024, não deveremos ter grandes e relevantes projetos pela proa. A alavancagem da companhia vem reduzindo, depois das concessões dos Blocos 1 e 4 da Cedae, no Rio de Janeira, e da privatização da Corsan.
A Aegea não precisa de mais capital neste momento?
A ênfase agora é colocar toda energia nesses projetos, para tentar amadurecer e melhorar o serviço e a qualidade nesses territórios novos. Do ponto de vista de capital, para o desafio contratado, a companhia está equacionada.
Mas um estudo do Instituto Trata Brasil prevê 30 projetos de saneamento nos próximos anos, entre privatizações, PPPs e concessões. A Aegea não planeja expandir sua atuação?
Claro que o mercado nos questiona sobre isso. Também é verdade que existe um portfólio grande de projetos na praça. Há, por exemplo, muita discussão sobre a Sabesp, numa modelagem de follow on, com participação remanescente no final, ou de uma estruturação padrão Eletrobras. Projetos dessa natureza não interessam para a Aegea. Há outros investidores que têm perfil e apetite adequados.
Por que a Sabesp não interessa?
Somos operadores de saneamento, não queremos ser acionistas. O alvo da companhia é atuar ou em PPPs, onde a Aegea complementa as companhias públicas no avanço do saneamento, ou em concessões plenas nas quais o poder concedente defina que faça sentido ter um operador privado.
"O modelo de privatização da Sabesp não interessa à Aegea, não queremos ser acionistas"
Quais oportunidades com esse perfil que estão no radar da Aegea?
A companhia tem se preparado, do ponto de vista de know-how e desempenho, para operar no Nordeste do Brasil. Estamos olhando com muita atenção as modelagens de formação dos projetos da região, sem deixar a Região Norte, como Belém, como um alvo estratégico.
Qual é o perfil de localidade que se encaixa nessa estratégia?
As situadas em áreas vulneráveis. Queremos atender a população de menor renda, para prestar serviço e melhorar a eficiência. Estamos aptos a entrar nesse mercado. Essa experiência no Rio de Janeiro, de entrar nas comunidades, de contratar em escala nunca antes vista uma força de trabalho enorme vinda das comunidades, melhorando a alavanca de formação com a academia interna, é um know-how que queremos aplicar com grande intensidade no Nordeste, quando os projetos vierem para a praça. Estamos nos preparando para obter um bom resultado nessas competições, quando elas vierem.
O que levou a Aegea a reforçar esse foco em regiões mais vulneráveis?
É o trabalho que a gente se especializou: resolver palafita, comunidades, Baixada Fluminense, despoluição. A contribuição para projetos tem sido voltada para resolver esses dilemas críticos. É aí onde vamos fazer a diferença.
"Estamos olhando com muita atenção as modelagens de projetos em áreas vulneráveis do Nordeste"
Quais são os resultados da concessão de dois blocos da Cedae, no Rio de Janeiro, que valem replicar em outras cidades?
Destacaria duas iniciativas na área de atuação da Águas do Rio. Uma delas é de impacto social. Cerca de 250 mil famílias passaram a ter água tratada encanada pela primeira vez. Agentes vão de casa em casa mapeando e realizando diversos serviços, entre eles a regularização de cadastros e inclusão de moradores na Tarifa Social. Hoje, na Águas do Rio, 371 mil famílias possuem esse benefício. Empregamos oito mil pessoas, sendo mais da metade (4.500) colaboradores contratados em comunidades. A outra iniciativa é a de despoluição da Lagoa Rodrigo de Freitas e da Baía da Guanabara.
Como tem sido esse processo de despoluição?
Não era obrigação do edital, mas na construção do projeto, proteger a Baía da Guanabara da emissão de esgoto e do descarrego de barragem pluvial ia ajustar a carga orgânica para que a troca de água a cada 18 dias na Lagoa fizesse o trabalho de recuperação do lançamento de esgoto. Limpamos a estrutura de proteção, colocamos geradores sobressalentes e sondas para medir os lançamentos irregulares.
Já estão obtendo resultados?
Hoje, em qualquer lugar da Lagoa Rodrigo de Freitas, a água está transparente, os animais e até a pesca estão voltando. Também começamos a ter balneabilidade na praia do Flamengo, na enseada de Botafogo e na Marina da Glória. Outros investimentos estão sendo feitos na praia de Ramos. Nessa jornada de proteção ambiental, a nossa ênfase é começar mais cedo, pois causa impacto. Com isso, conecto o cidadão, que é meu cliente. Essa acessibilidade do saneamento é que faz diferença.
A Aegea acabou de obter o primeiro lote de PPP dos três que a Sanepar (companhia de saneamento do Paraná) vai disponibilizar sob concessão. O modelo de PPP atrai a empresa?
Projetos como esse da Sanepar, de PPP, onde complementamos a companhia pública no sistema de esgotamento sanitário, é muito mais suave do ponto de vista de execução e estrutura de capital, pois não tem outorga. Não é um projeto pequeno, mas também não demanda R$ 15 bilhões como do Rio de Janeiro ou os R$ 4,1 bilhões que pagamos no leilão da Corsan (empresa estatal gaúcha recém-privatizada). Esses valores, num processo de parceria, não são exigidos. Ali conseguimos oferecer nosso aprendizado.
"O modelo de PPP é mais suave do ponto de vista de execução e estrutura de capital, pois não tem outorga"
O governo federal já demonstrou preferência pelas PPPs em relação à privatização no setor de saneamento. A Aegea vai investir mais nesse modelo?
Vamos analisar todos as PPPs que saírem da fábrica de projetos do BNDES, o grande financiador de saneamento. Elas não agridem nossa estrutura de capital, usam nossa melhor competência desenvolvida. E nas regiões onde tivermos densidade de operação - e o Sul é um cluster que está se fortalecendo por meio da Corsan -, vamos estar presentes.
Desde a aprovação do marco regulatório do saneamento, em 2020, a iniciativa privada tem participação em apenas 19% dos projetos. O que é preciso para atrair mais capital privado?
Quando olhamos a jornada de universalização do saneamento básico, tem algo importante faltando na modelagem: precisamos de mais frentes de desenvolvimento de projetos, além da fábrica do BNDES. A abordagem política ou a escolha do modelo é menos importante que a jornada de etapas de um modelo, entre o início do projeto e o lançamento do edital, com ambiente regulatório adequado, com mensagens de redução de risco regulatório constantes. Isso chama a atenção do capital privado externo. Essas etapas demoram muito e são mais responsáveis pelo atraso na universalização do que a escolha da modelagem, se é concessão, PPP ou privatização.
O fato de o governo preferir PPPs a privatizações pode inibir a vinda de investidores externos para o setor de saneamento?
Os projetos continuam saindo. Se existir algum problema, vamos ver nesse tempo de evolução para sair do papel. Por isso reitero a necessidade de investir mais nas diferentes fases de projetos e na discussão para atrair investidores globalmente. Temos um mercado de saneamento que não tem comparativo no mundo. Basta termos regularidade regulatória, isso faz a roda girar. O que estamos fazendo no Rio é um grande atrativo para o capital externo.
"Temos um mercado de saneamento que não tem comparativo no mundo. Basta termos regularidade regulatória, isso faz a roda girar"
A Aegea acaba de assumir a Corsan, a primeira estatal de saneamento privada após o marco regulatório, mas que tem um déficit previdenciário de R$ 943 milhões com o fundo de pensão dos funcionários. Quais são os planos?
Assinamos contrato há pouco mais de um mês. Um dos dilemas era a Funcorsa, que tinha um déficit de regime previdenciário e contrapartida de funcionários efetivos. Nossa previsão de trabalho era, primeiro, refinanciar e realongar a dívida dos pagamentos previdenciários. Essa negociação ainda está em fase de formalização. Isso está equacionado em termos de prazo, junto com a mudança para contribuição definida, o que equaciona o fundo. O dilema em termos estruturais e passivo monetário, portanto, está endereçado. O passo seguinte, de estruturar a governança, também está andando.
O sindicato dos funcionários da Corsan obteve do Tribunal Regional do Trabalho, antes da assinatura da venda, a antecipação do dissídio e garantia de 18 meses de estabilidade. Como estão gerindo essa relação?
O que ficou combinado é que, nesse período, a diminuição de quadro só ocorreria de comum acordo entre as partes. E ficou instituído que as pessoas que teriam interesse em se desligar da companhia, se inscreveriam num portal da empresa. Dos 5.400 funcionários, cerca de mil se inscreveram nas primeiras 24 horas. Hoje, são 1.700 inscritos para usufruir dos benefícios do acordo, entre eles a remuneração desses 18 meses. São funcionários perto da aposentadoria ou que querem sair já. É a máquina pública se ajustando ao mecanismo de uma empresa privada.