A colheita deve ser feita nas horas mais frescas do dia. As bagas são pequenas e frágeis. Mas, é preciso força para separá-las do caule. Suave, porém, vigoroso, o movimento deve seguir em uma direção específica.
Cuidado! O toque requer suavidade para não lhes machucar a pele. Se apertar um pouquinho mais forte, esmaga. Atenção! Fora do pé, os frutos têm de ser resfriados em até duas horas, para evitar a maturação e, consequentemente, a deterioração.
Perigo! As bagas sadias não podem ser misturadas com as podres, sob risco de contaminação. E nunca, jamais, em hipótese alguma, é permitido despejá-las diretamente das cestas de colheitas sobre as mesas de classificação. Elas amassam com muita facilidade.
Poucas frutas são tão delicadas quanto os morangos. Demandam uma manipulação extremamente precisa e apurada, ao longo de toda a cadeia alimentar – da lavoura ao prato do consumidor. Não à toa sua colheita exige mão de obra treinada.
Com a crise atual de empregos, porém, os trabalhadores qualificados são cada vez mais raros. No segundo maior produtor de morangos do mundo, os Estados Unidos, 20% da 1,4 milhão de tonelada produzida anualmente apodrecem no campo, por falta de quem as tire do pé. Um prejuízo de US$ 300 milhões, por ano.
Se lavouras como as de soja, milho e trigo estão completamente automatizadas, por que não criar um robô colhedor de morangos? Até pouco tempo atrás, não havia tecnologia capaz de substituir o olhar afiado e a precisão das mãos humanas, na lida de um produto tão vulnerável aos trancos da cadeia agroalimentar.
Na última década, entretanto, com o aperfeiçoamento das ferramentas de robótica, inteligência artificial, visão computacional e redes neurais, vários empreendedores se lançaram no desafio de construir máquinas inteligentes o bastante para dar conta da complexidade do manejo de morangos.
Os robôs mais modernos não só colhem como identificam as bagas mais maduras, conforme determinado previamente pelo produtor. Sem contar que eles trabalham 24 horas por dia, sete dias por semana. É assim, por exemplo, com os sistemas da japonesa Shibuya Seiki, a espanhola Agrobot e as americanas Advanced Farm, Root AI e Traptic.
O ano de 2022, aliás, tem sido bem agitado no maravilhoso mundo dos robôs colhedores de morangos. Dois negócios de peso foram fechados no início do ano, nos Estados Unidos. As transações envolveram duas áreas consideradas fundamentais para levar a agricultura rumo a um futuro mais sustentável e saudável.
De um lado, a robótica agrícola, apostando no combate ao desperdício; e, do outro, a agricultura de ambiente controlado, prometendo resolver a escassez de terra arável e água.
A AppHarverst, startup de agricultura indoor, com sede no Kentucky, comprou por US$ 60 milhões a Root AI, fabricante do Virgo. Além de morangos, o Virgo está programado para colher cerca de 50 variedades agrícolas, entre as quais pimentões e pepinos, mas seu forte são os tomates. Nos planos de expansão da AppHarverst está a diversificação de culturas.
Aliás, foi isso que motivou a compra, por valores não revelados, da Traptic pela poderosa Bowery, uma das maiores startups de agricultura de ambiente controlado do mundo. Fundada em 2015, com sede em Nova York e com fazendas verticais em Nova Jersey, Maryland e Pensilvânia, a empresa fornece seus produtos para cerca de 800 varejistas, alguns de peso como a Amazon Fresh, Giant Food, Walmart e Whole Foods.
Em maio de 2021, a Bowery foi avaliada em US$ 2,3 bilhões, depois de receber um aporte de US$ 300 milhões, até então a maior rodada de investimentos para uma startup de fazendas verticais.
Agora, a startup de Nova York quer ir além da produção de folhosas e incluir em seu portfólio tomates, morangos e outras “culturas delicadas”. É aí que a Traptic entra. Fundada em 2016, na California, a empresa desenvolveu o robô Ceres, tão preciso quanto suave para a colheita de variedades extremamente frágeis.
“A pinça Traptic agarra os morangos com firmeza suficiente para extraí-los do pé, mas delicadamente o suficiente para preservar sua qualidade”, lê-se no comunicado da startup. A plataforma da empresa foi construída em torno desse braço.
Graças a um sistema de visão computacional, o robô consegue distinguir os frutos maduros dos verdes, com base em apenas uma mancha branca minúscula na superfície dos morangos. A máquina também determina com precisão milimétrica a posição das bagas, além de ajudar na polinização, poda e desbaste das plantas.
No ano passado, a Traptic movimentou US$ 8,4 milhões com a implantação do Ceres, em fazendas da Califórnia. Segundo a startup, a tecnologia reduz em 20% o desperdício e aumenta a produtividade de produtos de alta qualidade, sem manchas.
Tanto a robótica agrícola quanto a agricultura de ambiente controlado passam por um momento crucial. Para enfrentar os desafios impostos pela crise climática, a palavra de ordem é diversificação.
Até agora, na imensa maioria dos casos, a agricultura indoor esteve focada no plantio de folhosas e ervas. Alguns analistas apostavam que o setor, depois da euforia dos primeiros anos, caminhava rumo ao “vale da desilusão”, pela dificuldade de produção em larga escala e a pequena variedade de produtos ofertados.
Os morangos acenam com a possibilidade de um futuro mais diverso. Recentemente várias startups de agricultura indoor anunciaram planos de começar a cultivar a fruta. É o caso da alemã Infarm, da singapurense Singrow e das americanas Plenty e Amplified.
Em 2020, o mercado global atingiu US$ 1,8 bilhão e a expectativa é de que, nos próximos cinco anos, chegue a US$ 23,2 bilhões, a uma taxa de crescimento anual em torno de 3,4%.
Para os empreendedores do morango, ir para o ambiente asséptico e controladíssimo das fazendas indoor, que dispensam o uso de defensivos agrícolas, pode ser a redenção da fruta. A baga é presença constante no rol The Dirty Dozen.
Divulgado anualmente, desde 2004, pelo Environmental Working Group, o ranking elenca as frutas e legumes com as maiores concentrações de pesticidas. E o frágil morango está sempre lá, no topo da lista.