Pedro Sirotsky Melzer, cofundador e managing partner da gestora de venture capital Igah, tem recebido algumas ligações de investidores curiosos com a mudança de rumo do mercado. Três questões têm predominado: As empresas que precisam de dinheiro vão conseguir captar? No que a gestora vai investir a partir de agora? Será possível captar para novos fundos?

Melzer, com mais de dez anos de experiência no segmento, se mantém calmo e responde com dados e, claro, fatos para quem o questiona. Depois de ter captado para três fundos, o primeiro com R$ 100 milhões, o segundo com R$ 200 milhões e o terceiro com US$ 130 milhões, a Igah conta hoje com um Net Asset Value (NAV) somado de mais de R$ 2 bilhões.

Agora se prepara para captar para um quarto fundo de US$ 200 milhões. “Já temos a sinalização de interesse importante de muitos investidores”, diz Melzer ao NeoFeed. A ambição para captar para um novo fundo leva a outra questão. Como fazer isso em um cenário adverso? “Temos track record para mostrar”, diz ele.

É raro um gestor de um fundo de venture capital abrir seus principais números em detalhes – tanto os êxitos como as falhas – mas Melzer, em uma conversa franca com o NeoFeed, compartilhou-os. “Juntando o fundo um e o fundo dois, já retornamos R$ 220 milhões para os investidores em dinheiro. Distribuímos esse valor.”

O fundo um investiu em 16 empresas e já saiu de 13. “Está com marcação acima de cinco vezes o capital investido e poderia estar seis vezes. Só não é maior porque a Infracommerce foi impactada”, diz Melzer sobre a empresa de logística que abriu capital em no ano passado e perdeu mais de 80% de valor de mercado desde então.

A Igah ainda conta com 85% de sua posição na Infracommerce, uma participação de pouco mais de 10% na companhia (que na cotação de terça-feira, 7 de junho, vale R$ 111 milhões), e mantém no portfólio participações na Ingresse e na Prontmed.

No fundo dois, a gestora investiu em empresas como Sanar, Labi, Trybe, Contabilizei, entre outras. A Contabilizei, aliás, é um dos casos que Melzer gosta de ressaltar. A Igah acaba de se desfazer de sua participação na empresa. “Investimos menos de R$ 9 milhões, no fim de 2017, e vendemos por R$ 90 milhões”, diz Melzer.

O fundo três, por sua vez, ainda é novo. Foi criado em 2020 e captou US$ 130 milhões. “Esse fundo tem uma taxa interna de retorno anual de 108% em dólar desde a sua criação”, afirma Melzer. Nele, a Igah tem ativos como a idtech unico, avaliada em US$ 2,6 bilhões; a fintech Avenue; a healthtech Conexa; a CRM Bônus, a EmCasa, entre outros. “Vamos pensar em desinvestimento desse fundo a partir de 2024.”

A julgar pela valorização das participações, a colheita deverá ser exitosa. A Igah entrou na unico com R$ 30 milhões e hoje essa mesma participação vale R$ 500 milhões. Não se arrepende de não ter alocado mais? “Disciplina de alocação. Não estou em um business de apresentar emoções. Estou em um business de apresentar consistência”, diz Melzer.

Ele dá exemplos de investimentos que o fundo deixou de fazer e não tem arrependimento. “Tivemos oportunidade de entrar na Rappi quando ela valia US$ 200 milhões. Mas entendemos que era um modelo de negócio muito arriscado, que demandaria muito caixa e não teríamos condições de acompanhar os investimentos.” A Rappi hoje vale US$ 5,2 bilhões. “Não ficamos amarelos com o investidor por não ter entrado.”

A Igah teve também a chance de investir na Gympass, mas não entrou porque tinha dúvidas sobre o modelo que, antes de ser B2B, era B2C. Na unico, poderia ter alocado R$ 100 milhões, mas preferiu manter R$ 30 milhões. “Não sabia qual seria o tamanho do meu fundo, expor mais de R$ 30 milhões naquele momento, seria uma imprudência. Está ótimo, é disciplina.”

Quais, afinal, são as estrelas do portfólio? “A Infracommerce, a RockContent, a Contabilizei, a unico, a Avenue e Conexa.” Na Contabilizei e na RockContent, empresas que a Igah já saiu, o retorno foi superior a dez vezes o investido. As boas histórias, é claro, são fáceis de serem contadas. Mas nem todos os investimentos tiveram sucesso. Afinal, trata-se da indústria de capital de risco.

No caso da empresa de bijuterias Juv, a ideia era aproveitar a enorme rede de vendedoras de Avon e Natura e vender as semijoias por este canal. A Igah, na época e.bricks, investiu R$ 7 milhões que viraram pó. “Subestimamos o índice de devolução de produtos, o custo de treinamento dessas pessoas, os economics não se sustentaram e tivemos de fechar a empresa”, diz Melzer.

Outro famoso caso é o de uma das mais badaladas fintechs que surgiram no Brasil: o GuiaBolso. “Fomos o primeiro investidor institucional deles, nossa participação chegou a valer R$ 70 milhões, e vendemos por R$ 3 milhões. Foi um case malsucedido do nosso portifólio”, diz Melzer, sobre a fintech que acabou sendo vendida para o PicPay.

“Não existe senso de culpa, mas de acerto e erro. Nosso time tem de aprender com os erros para acertar mais.” E prossegue. “O investidor não tem expectativa que a gente só acerte, mas que a gente acerte mais do que erre. E que sejamos transparentes com as informações”, diz sobre os 111 investidores de seus fundos, dos quais 90% são multi family offices.

No momento em que o mundo de venture capital entra em uma espécie de inverno, com alocações mais cautelosas, é de se questionar como as empresas de alto crescimento vão conseguir sustentar suas operações com a torneira dos VCs mais escassa.

“Vimos empresas que tinham modelos de negócios superinteressantes, com crescimento interessante e empreendedores interessantes captando dinheiro. E vimos também empresas com modelos de negócios não interessantes, com crescimentos artificiais e empreendedores articulados captando dinheiro.”

Agora, diz ele, esse segundo tipo de empresa, que surfou na abundância de capital, usufruindo do talento e articulação de empreendedores que conseguiam captação na lábia, não terá capital. “Todos os investidores terão de recorrer a uma visão mais fundamentalista para investir nos ativos”, diz Melzer, que conta com um time experiente, formado por Márcio Trigueiro, Camila Sangali e Thiago Maluf, nessa tarefa de avaliação.

“As empresas que precisam de caixa só vão conseguir captar se provarem que têm modelos de negócios sustentáveis. E isso não é no gogó, é com dados”, diz Melzer. Empresas que se basearam apenas em growth sem saber como monetizar, vão sofrer.

Na opinião do executivo, haverá uma depuração no mercado. “Será uma limpada de investidor de fora olhando para o Brasil, de investidor local olhando para venture capital e de empreendedores se jogando nas oportunidades. O que vai acontecer são menos oportunidades com empreendedores mais sérios.”

E prossegue: “O empreendedor que montou um business com a lógica de encantar o investidor, que sua preocupação era mostrar um crescimento agressivo a qualquer custo para poder captar múltiplas rodadas, apreciando o seu investimento e em algum momento contava que ia ter uma grande saída e ficar bilionário, não tem mais vez. Acabou. Game over.”