Há um ano, o economista português Alberto Ramos, diretor de macroeconomia do banco americano Goldman Sachs para a região da América Latina, escreveu um relatório que falava sobre a estagnação econômica vivida pelo Brasil nos últimos 10 anos.

Com a recessão vivida em 2015 e 2016, com queda de 7,2% no PIB, e todos os episódios de crise política, ele calculou que o País havia passado mais uma década praticamente sem sair do lugar, como aconteceu nos anos 1980, no tempo da hiperinflação.

Agora, com uma década que começa marcada pelos estragos da pandemia e sem que a classe política seja capaz de apresentar um projeto para o País, há o risco de a estagnação se prolongar por muito tempo.

“Se não ficar esperto, o Brasil vai perder a próxima década, a que estamos vivendo agora. E aí, se não fizer nada (para as próximas), em vez de falarmos em década perdida, vamos começar a dizer que retrocedemos meio século”, afirma Ramos, em entrevista ao NeoFeed.

Baseado em Nova York, o economista tem contato frequente com investidores estrangeiros e afirma que já se começa a questionar o potencial de longo prazo do Brasil. A cada ano que passa sem avanços, a chance de virar o país do futuro, aquele que decolou na capa da revista britânica The Economist, vai ficando menor. “O Brasil já não estava dirigindo uma Ferrari, mas um Fiat 600, e agora saiu da pista.”

Para ele, que prevê uma expansão de apenas 0,8% para o PIB brasileiro em 2022, a falta de clareza com o futuro do País não será resolvida quando for definido o próximo presidente. Ainda assim, haverá incerteza. “Que política macroeconômica o ex-presidente Lula pode implementar? Se Bolsonaro for reeleito, que política macroeconômica virá?”.

Na entrevista a seguir, o economista também falou sobre juros, inflação, desemprego, a agenda do ministro da Economia, Paulo Guedes, e a visão dos estrangeiros sobre o presidente Jair Bolsonaro. Confira:

Há duas semanas, um dos sócios da Advent International, Patrice Etlin, disse que está começando a ouvir os estrangeiros questionarem a visão de que o Brasil é um país com potencial de longo prazo. Você também tem ouvido isso?
Claramente, começa-se a questionar. Há um ano, escrevemos um relatório sobre a década perdida do Brasil, a de 2010, assim como os anos 1980 também foram uma década perdida. Nas últimas quatro décadas, perdemos duas. Se não ficar esperto, o Brasil vai perder a próxima, a que estamos vivendo agora. E aí, se não fizer nada (para as próximas), em vez de falarmos em década perdida, vamos começar a dizer que retrocedemos meio século. Claro que isso é uma frase para chamar atenção, mas não é que não estamos apenas perdendo o trem do desenvolvimento, estamos ficando cada vez mais para trás, sem necessidade, porque o Brasil tem todos os instrumentos. É um país autossustentável em energia, é uma potência do agronegócio e tem uma base industrial relativamente sofisticada.

“Se não ficar esperto, o Brasil vai perder a próxima década”

O que está faltando, então?
Falta manejo macroeconômico. É triste, porque não é preciso criar uma comissão para analisar as causas do baixo crescimento. Estamos fartos de saber porque a taxa de investimento e taxa de poupança são baixas. A inserção da economia nas cadeias de valor internacional é minúscula. O nível de proteção comercial é enorme, com esse arranjo do Mercosul. A carga tributária é enorme. O capital humano, que reflete os níveis de educação, deixa a desejar. Os caminhos das pedras, já sabemos. O Brasil tem de fazer uma boa reforma administrativa, fazer uma boa reforma fiscal e aumentar a taxa de poupança, que está ligada ao ajuste fiscal, uma vez que o maior “despoupador” é o setor público. Tem que baixar a proteção comercial para integrar o Brasil ao resto do mundo. Mas, pelo andar da carruagem, não está andando muito.

E quais as consequências?
O motor do crescimento está ficando cada vez mais fraco. Não se trata mais do potencial que não vemos para curto prazo, mas também o do médio longo prazo. Há uma quantidade enorme da população desempregada ou subempregada por período prolongado de tempo, o que gera um "efeito cicatriz" no mercado de trabalho, pois as pessoas perdem habilidade para o trabalho. O Brasil já não estava dirigindo uma Ferrari, mas um Fiat 600, e agora saiu da pista. Não é só um problema cíclico, de inflação alta. Poderia ser passageiro, mas, quando passar esse período, vamos ver que, com esse motorzinho, não vai ser possível acelerar muito.

Para o ano que vem, a tendência é de estagnação no PIB? O Itaú Unibanco, por exemplo, está prevendo queda de 0,5%.
Infelizmente, sim. Nós estamos prevendo crescimento de 0,8%. Mas se será alta de 0,8% ou queda de 0,5%, essa distância pouco importa. O resultado será muito baixo. Estamos evoluindo para um cenário de curto prazo bem complicado, com inflação em dois dígitos, juros em dois dígitos, crescimento perto de zero, um quadro político instável e bastante complexo, e com uma eleição que se avizinha e que deve ser polarizada. E não é só incerteza quanto à eleição. Mesmo se soubéssemos já quem ganharia, ainda não saberíamos qual seria a política implementada. Que política macroeconômica o ex-presidente Lula (Luiz Inácio Lula da Silva) pode implementar? Se Bolsonaro for reeleito, que política macroeconômica virá? Há muita incerteza.

"Não é que o Brasil seja uma ilha no meio do deserto e não tenha nada para investir. Falta previsibilidade"

Para o investidor apostar mais no Brasil, falta segurança ou também falta capital?
Não falta capital. Falta segurança e expectativa de retorno. O mundo está nadando em capital. O Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) e os outros bancos centrais estão injetando bilhões de dólares por dia na economia global. As taxas de juros nos EUA ainda estão a zero. Não é também um problema de falta de oportunidade. Não é que o Brasil seja uma ilha no meio do deserto e não tenha nada para investir. Falta previsibilidade. Com tanta volatilidade macroeconômica e incerteza política, ninguém se anima a fazer investimento de médio e longo prazo. É isso que está emperrando. O grande problema é o Estado, que gasta uma enormidade e investe pouco.

O investidor perdeu a confiança na agenda tocada pelo ministro Paulo Guedes?
De alguma maneira, sim. Havia uma esperança grande com uma agenda reformista e liberal na economia. Mas pouco dessa agenda foi implementada. Não é uma crítica direta a este governo ou ao ministro da Economia, Paulo Guedes. É uma crítica à classe política. A falta de coesão, a divisão no Congresso e dentro do próprio governo. Esse ruído reflete a falta de harmonia entre os poderes. Ruído com o poder Judiciário, com os governadores, com o Congresso. Não digo que a culpa é do Bolsonaro, do Congresso ou do Supremo (Tribunal Federal). É a realidade que observamos. As reformas vão ao Congresso, mas andam devagar ou são desvirtuadas. É uma responsabilidade compartilhada entre os três poderes, que leva a uma paralisia em termos de implementação de política macroeconômica. Privatizou-se pouco, reformou-se pouco. As coisas andaram muito devagar e os problemas que tínhamos ficaram mais proeminentes com a pandemia, com o aumento do endividamento público.

E como o investidor estrangeiro avalia os frequentes ruídos políticos causados pelo presidente Jair Bolsonaro?
Eu não sou analista político. Mas esse ruído e essa fricção institucional são visíveis e estão no preço. O mercado vê isso. O mercado não tem preferência política. É uma entidade abstrata. A preferência do mercado é que as coisas vão bem. Se isso acontecer, o preço do ativo sobe. O mercado quer que o Brasil vá bem. Se isso acontecer, o câmbio aprecia, os juros caem, a economia anda, o Ibovespa sobe. O mercado quer boas políticas. O que o mercado está vendo é ruído, prêmio de risco elevado, reformas fiscais que não andam e reformas para o crescimento que não andam. Não é juízo de valor em relação ao Bolsonaro. Cada um do mercado tem sua preferência. Mas o mercado como investidor vai além.

Você é frequentemente questionado sobre o presidente pelos investidores estrangeiros? E o que diz a eles?
É uma pergunta que recebemos toda hora. Mas isso vai além da cor política. Se um político diz “eu sou maoísta (em referência a Mao Tsé-Tung, principal líder da revolução que implantou o comunismo na China), mas estou implementando política que gera crescimento, investimento e oportunidade”, o mercado vai amar esse maoísta. Agora, se chega alguém que diz que é discípulo de Milton Friedman (um dos principais teóricos do liberalismo econômico), mas começa a nacionalizar, começa a criar ruído, a economia não cresce e o desemprego aumenta, o mercado vai detestar esse cara com viés liberal. O mercado quer políticas que levem a boa performance macroeconômica.

O desemprego ainda vai demorar para voltar a cair?
Vai demorar. Emprego não é mágica, precisa de crescimento. Quando o crescimento acelerar, com investimento, vai haver mais geração de emprego. Mas esperamos que seja emprego formal. Cerca de 30% da população está subocupada, desocupada ou subocupada, trabalhando menos do que gostaria. E há uma proporção crescente de trabalhos informais, o que gera mais insegurança e renda mais limitada. Mas, além do efeito cicatriz no mercado de trabalho, o Brasil corre o risco de um efeito cicatriz no âmbito político e social. Viemos de uma toada de crescimento fraco há muito tempo. A pressão social começa a ficar insuportável.

"A desaceleração da inflação será mais lenta do que foi a aceleração. Ela subiu de elevador e vai descer de escada rolante"

A inflação, que também gera essa pressão social, está acima dos 10% em 12 meses. É possível haver uma desaceleração brusca em 2022?
Ninguém sabe ao certo. Uma desaceleração brusca talvez não seja o caso (o Goldman Sachs prevê 9,6% para o IPCA em 2021 e 4,9% em 2022). A inflação vai desacelerar, mas não abruptamente, em razão da inércia inflacionária. Você vê efeitos de segunda ordem. A própria indexação, o espalhamento da inflação e deslocamento das expectativas da inflação. Há também o fato de que os preços de commodities, provavelmente, vão ficar relativamente elevados em 2022 e o fato de que essas fricções na cadeia de suprimento não vão se resolver do dia para noite e devem atravessar todo o ano de 2022. O próprio ruído político e eleitoral vai manter o câmbio em nível bastante depreciado. A desaceleração da inflação será mais lenta do que foi a aceleração. Ela subiu de elevador, vai descer de escada rolante.

O mercado espera que os juros voltem aos dois dígitos em 2022. Quando isso acontecer, tende a ser passageiro ou o Brasil voltará ao seu passado de juros elevados por muito tempo?
É um pouco dos dois. Claramente a inflação surpreendeu todo mundo. O BC está correndo um pouco atrás do prejuízo e subindo os juros, que hoje estão em níveis restritivos. Quando chegarmos ao terceiro e ao quarto trimestre de 2022, já olhando para a inflação de 2023, com a pressão inflacionária baixando um pouco, o BC pode remover esse viés restritivo. Mas haverá dois problemas, que vão reduzir o espaço para reduzir juros. Quando chegar esse momento, o Fed pode começar a subir os juros. Geralmente isso é um problema para os emergentes. É difícil cortar juros quando o Fed está subindo. Mas como o juro do Fed está em zero e o do Brasil estará em 11% ou 12%, no fim de 2022, há claramente algum espaço para diminuir essa diferença. O outro problema é que, pelo próprio desarranjo político e fiscal, a taxa de juro de equilíbrio da economia está subindo, com as discussões em torno da quebra do teto dos gastos e do orçamento de 2022.

Sobre o teto dos gastos, o economista-chefe do BTG Pactual, Mansueto Almeida, disse que não seria o fim do mundo se o governo quebrasse o teto, mas sinalizasse que seria temporário. Você concorda?
Não é o fim do mundo, mas é um mundo com menos oportunidades, mais pequenino. Eu estou preocupado com o fiscal há 10 anos. Acho que já estamos atrás há muito tempo em validar esse ajuste fiscal. Estabilizar o gasto não é ajuste. Tem de reduzir o gasto, reduzir a dívida, chegar a um superávit primário. Parece uma miragem de água no deserto, estamos ficando com mais sede e nada acontece. Cada vez que há espaço no orçamento, alguma melhora na receita, em vez de aprofundarem o ajuste, pensam onde vão gastar isso. A pandemia elevou o patamar da dívida. É verdade que o gasto não está fora do controle. O Mansueto tem razão quando mostra que o gasto como proporção do PIB não está pior do que estava antes. Mas não é que começamos numa situação boa. Já estávamos em situação ruim, continuamos em situação ruim e não fizemos o ajuste. Para além do valor simbólico do teto dos gastos, que se quebrou um pouco na discussão mais recente, claramente há um viés populista e eleitoral, pelo Congresso e pelo governo, o que me preocupa bastante.

Você se refere ao Auxílio Brasil?
Quem é contra aumentar o gasto social? Ninguém. O aumento do benefício será de R$ 190 para R$ 400 por mês, de mais de 100%, e ninguém vai dizer que alguém que recebe R$ 400 vai ficar rico. Não é isso. Tudo na vida é escolha. Fazemos não o que queremos, mas o que podemos. E o Brasil, em termos fiscais, pode pouco. Essa escolha política tem mérito, mas temos de sentar e pensar onde vai cortar. Não é possível que quem gasta R$ 1,6 trilhão de reais por ano não tenha onde cortar, que todos os programas são altamente bem focados e eficientes.

No Goldman Sachs, você analisa toda a América Latina. O Brasil ainda é o protagonista da região?
Olha, neste contexto, a vizinhança ajuda. Não tem ninguém crescendo e muitos estão lidando com instabilidade política e social, como Chile, Colômbia, Peru e Argentina. O México está um pouco mais estável, do ponto de vista político, com a vantagem de estar um pouco acoplado à economia dos EUA e se beneficiar da fricção política entre EUA e China, que pode direcionar investimentos ao México. Teoricamente, o Brasil também pode se aproveitar disso. A Colômbia está um pouco melhor. Mas o Brasil tem muito potencial porque é uma economia enorme, com muita oportunidade de investimento. O Brasil não está ficando muito distante da América Latina, porque o resto da América Latina não está indo para lugar nenhum. Mas estamos claramente descolados do resto do mundo emergente e do restante do mundo.