O relógio marcava 8h32 do último dia 7 de abril quando a B2W divulgou a aquisição da Shipp, plataforma de entrega de alimentos. Exatamente uma hora e oito minutos depois, o Magazine Luiza tornou pública a compra da SmartHint, empresa de busca e recomendação para o e-commerce.

Mais do que uma simples coincidência de datas, o breve hiato entre os dois anúncios apenas reforçou o apetite cada vez mais voraz dos marketplaces por aquisições. Desde janeiro de 2020, as quatro principais plataformas do País fizeram 30 compras ou investimentos em fatias minoritárias de startups.

A mais recente delas veio à tona na manhã desta quarta-feira. O Magazine Luiza anunciou a compra do Jovem Nerd, plataforma multimídia voltada ao público geek, com mais de 5,5 milhões de inscritos e mais de 1 bilhão de visualizações em seus canais no YouTube.

Com 16 ativos em seu carrinho nesse intervalo, seis deles em 2021, o Magazine Luiza lidera essa conta de aquisições entre os marketplaces. B2W e Via Varejo fizeram quatro compras cada. E o Mercado Livre, por meio do seu fundo de venture capital Meli Fund, assinou seis cheques no período.

“Essa corrida parte da percepção de que talvez não haja espaço para todo mundo lá na frente”, diz Roberto Bellíssimo, CFO e diretor de RI do Magazine Luiza, ao NeoFeed. “Não acreditamos que esse vai ser o mercado de um só player, mas temos sido os mais ativos e estamos liderando essa onda.”

Essa agenda intensa é o tema de um relatório do Itaú BBA, ao qual o NeoFeed teve acesso. No documento, intitulado “Os marketplaces vão às compras”, os analistas do banco fazem uma avaliação das estratégias e elegem as startups que poderiam fazer sentido em eventuais novos acordos capitaneados pelo quarteto.

No caso da B2W, a ótica foi a busca por categorias de alta frequência e logística. O Top 5 escolhido pela empresa inclui a Petlove, e-commerce de produtos pet; a Intelipost e a Loggi, de logística; a beautytech Beyoung; e a retailtech Amaro.

Já o potencial carrinho de compras do Magazine Luiza passa pela Mimic, de dark kitchens; a Favo, de logística; a Digitalk e a Accountfy, de serviços para sellers; e a fintech Iugu.

O pacote de encomenda desenhado para o Mercado Livre tem a R2U, de realidade aumentada; Intelipost e Loggi, de logística; e as fintechs Bee Tech e BizCapital, essa última, que já conta com investimento do Meli Fund.

Para a Via Varejo, a relação envolve as fintechs Weel e Quasar Flash; as startups de tecnologia Take.net e Omnichat; e a Unbox, na área de serviços para sellers.

“Os marketplaces já entenderam que esse é o jogo para completarem seus ecossistemas”, diz Mariana Nascimento, executiva da área de investment banking do Itaú BBA. “E ainda estamos apenas no começo desse movimento.”

Algumas cifras compõem o pano de fundo para essa busca. O e-commerce, que já vinha em crescimento consistente nos últimos anos, ganhou um impulso substancial da Covid-19. Em 2020, o setor movimentou R$ 87,4 bilhões, alta de 41% sobre 2019, segundo a Ebit Nielsen.

“Nas nossas estimativas, a penetração do e-commerce no total do varejo ficou entre 8,5% e 9% e pode chegar a 11% neste ano”, afirma Macruz.

Ao mesmo tempo, esse contexto encontrou os marketplaces capitalizados. O Magazine Luiza levantou R$ 4,7 bilhões em um follow on no fim de 2019. Em junho de 2020, foi a vez da Via Varejo captar R$ 4,45 bilhões. No mês seguinte, a B2W aprovou um aumento de capital de R$ 4 bilhões.

O caixa reforçado não é o único ponto comum entre essas empresas. “Muitas das aquisições visam a entrada em novos mercados e categorias, de maior recorrência e frequência”, diz Thiago Macruz, analista de varejo e e-commerce do Itaú BBA. “O foco é garantir a continuidade do crescimento e, ao mesmo tempo, diminuir o custo de aquisição dos clientes.”

Uma das áreas que reúne esses ingredientes é a categoria de supermercados, que motivou a compra da VipCommerce, pelo Magazine Luiza, há cerca de um mês. E do Supermercado Now, pela B2W, em janeiro de 2020. “Essa é uma categoria que traz oito vezes mais recorrência do que a média”, disse Márcio Cruz, CEO da B2W, em evento com investidores realizado em dezembro do ano passado.

Macruz destaca mais dois pilares que estão guiando esses acordos. O primeiro é a logística. “Aquisições nesse espaço não significam, necessariamente, aportes pesados em ativos fixos”, afirma o analista do Itaú BBA. “Você pode ter uma operação asset light e criar um arcabouço tecnológico para conectar a demanda do seu marketplace com pessoas que prestam esse serviço.”

Em 2020, o e-commerce movimentou R$ 87,4 bilhões no País, alta de 41% sobre 2019, segundo a Ebit Nielsen

Dentro dessa abordagem há exemplos como a Asap log, adquirida pela Via Varejo, em abril de 2020; o investimento do Meli Fund na Kangu, em setembro passado; e as compras da GFL e da SincLog pelo Magazine Luiza, em outubro, além da aquisição da Logbee, em 2018.

Outro destaque são as fintechs. O Magazine Luiza desembolsou R$ 290 milhões pela Hub Fintech, em dezembro, e a Via Varejo fechou, em maio de 2020, a compra da Airfox, empresa com a qual desenvolveu o banQi, sua carteira digital, uma de suas grandes apostas. “O banQi é, sem dúvida, um candidato a unicórnio”, afirmou Roberto Fulcherberguer, CEO da Via Varejo, em entrevista recente ao NeoFeed.

Para fortalecer a Ame, sua fintech, a B2W comprou a Bit Capital e a Parati. E o Mercado Livre, que atua nesse espaço com o Mercado Pago, participou, em junho, de uma rodada de R$ 65 milhões na BizCapital, liderada pelo fundo alemão DEG.

Amadurecimento

Essa onda de aquisições sinaliza um amadurecimento do mercado brasileiro de marketplaces. “Há uma diversidade muito grande de targets”, diz Mariana, do Itaú BBA. “Eles também estão buscando players menos óbvios para encorparem suas plataformas.”

Avaliado em R$ 143,4 bilhões e dono de um volume de mercadoria bruta (GMV) de R$ 43,5 bilhões em 2020, o Magazine Luiza é quem melhor ilustra esse cenário. “Eles são, certamente, quem está investindo de forma mais holística”, observa Macruz.

O pacote da varejista tem nomes como a Steal The Look, plataforma de conteúdo digital de moda, beleza e decoração, comprada em março, e o site Canaltech, de conteúdo de tecnologia, adquirido em agosto de 2020.

As aquisições incluem ainda a plataforma de mídia da InLoco; a Hubsales, plataforma que viabiliza as vendas diretas das fábricas para consumidores; e as startups de delivery de comida AiQFome, ToNoLucro e GrandChef.

“Apesar de toda a aceleração digital, estamos apenas arranhando a superfície”, disse Frederico Trajano, CEO do Magazine Luiza, em entrevista recente ao NeoFeed. “Há uma oportunidade gigantesca em vários segmentos.”

Bellíssimo, do Magazine Luiza, também destaca essa orientação. “Nossa estratégia é de ecossistema”. “Todas essas aquisições são como peças de um quebra-cabeças que se encaixam perfeitamente. E, algumas vezes, elas potencializam outros acordos.”

Ele observa que a avaliação dos ativos passa por três crivos na companhia: tecnológico, cultural e financeiro. E ressalta que a empresa tem sido bem-sucedida na integração dessas operações.

“Temos feito a maior parte do pagamento em ações e atrelada a metas altas”, afirma Bellíssimo. “Os empreendedores passam a ser nossos acionistas e, dessa forma, garantimos ainda mais o alinhamento com a nossa visão.”

Para Macruz, o principal candidato a perseguir os volumes e o escopo diverso do Magazine Luiza em 2021 é a B2W, que reportou um GMV de R$ 27,7 bilhões em 2020 e está avaliada em R$ 38,6 bilhões. Antes, porém, a empresa precisa concretizar a fusão da sua operação com a Lojas Americanas.

Desde janeiro de 2020, o Magazine Luiza realizou 16 aquisições

Em contrapartida, Macruz entende que a Via Varejo tem mais desafios, por ter largado depois de seus rivais na corrida dos marketplaces. Entretanto, a compra de uma fatia de 16,6% do hub de inovação Distrito é vista como positiva nessa jornada.

“Isso vai ajudá-los fechar alguns gaps de informação e a entender o que pode ser interessante do ponto de vista de aquisições”, afirma Macruz sobre a empresa, dona de um valor de mercado de R$ 20,13 bilhões e de um GMV de R$ 38,8 bilhões no ano passado.

Já o Mercado Livre é visto como o menos disposto a dar vazão a aquisições. E não apenas pelo fato de restringir essa frente à compra de participações minoritárias em startups.

“O Mercado Livre está exposto a mais categorias, sellers, usuários e tem uma fintech mais desenvolvida”, diz Macruz. “A urgência é bem diferente em relação aos rivais.” Avaliada em US$ 79,7 bilhões, a companhia fechou 2020 com um GMV de US$ 6,6 bilhões.

O Mercado Pago foi justamente um dos pontos ressaltados por Stelleo Tolda, COO e cofundador do Mercado Livre, em entrevista ao NeoFeed. “O potencial de oferecer serviços financeiros montados na plataforma do smartphone são gigantescos”, afirmou. “Já vislumbro também o momento em que o Mercado Pago vai ser maior do que o marketplace.”

No balcão

Para o time do Itaú BBA, as iniciativas dos marketplaces estão sendo seguidas pelo início de uma segunda onda, com a participação de outros segmentos do varejo, em busca de startups e ativos com perfil digital.

É o caso do grupo SBF, dono da Centauro, que, em 2020, fechou um acordo de distribuição exclusiva da Nike no Brasil, que inclui a loja digital da marca. E, ainda, a compra do Grupo NWB, dono de canais de conteúdo como Desimpedidos e Acelerados.

Em calçados, moda e vestuário, um exemplo é a Arezzo, que comprou a Reserva e criou um fundo de corporate venture, inaugurando essa estratégia com a aquisição da Troc, startup que vende roupas premium usadas. Ainda nesse ramo, o Grupo Soma, dono de grifes como Animale e Farm, comprou a NV, marca digital da empresária Nati Vozza.

Outro exemplo destacado é a Raia Drogasil, que também criou um fundo de corporate venture. Com o veículo, a rede já fez três aquisições. A última delas, há um mês, da Healthbit, plataforma de big data para reduzir os custos com saúde em empresas.