Em março, quando as suas mais de 30 lojas físicas no Brasil foram fechadas, a Nike teve de mudar rapidamente toda a sua operação e focar 100% no e-commerce. Mas, para isso, precisava dobrar o espaço no Centro de Distribuição, pôr mais produtos em estoque e contar com mais gente no time de atendimento ao consumidor.
Não era, de fato, uma tarefa simples. “Mas, em apenas uma semana, reformulamos a operação para acomodar a nova demanda que havia surgido”, diz Roberto Almeida, diretor de e-commerce da Nike no Brasil. E a responsável por virar essa chave com agilidade é uma espécie de eminência parda nas operações digitais da marca.
Os clientes não sabem e não percebem, mas o desenvolvimento do site, a tecnologia, a logística, o Centro de Distribuição, a operação de pedidos, entregas e até a gestão e resposta para a reclamação dos consumidores não são operados pela Nike. Tudo isso é feito por uma única empresa.
Trata-se da Infracommerce, uma companhia que atua num segmento chamado full commerce e que está ganhando mercado nessa pandemia. “Somos como uma ‘Amazon white label’ para as empresas”, diz ao NeoFeed o alemão Kai Schoppen, CEO e cofundador da Infracommerce, comparando o serviço com o da empresa de Jeff Bezos.
“Crescemos mais de 100% desde o início da crise”, diz ele. “Tivemos procura de empresas que não tinham e-commerce e precisaram agir rápido e também de clientes que precisavam aumentar seus espaços”, diz Schoppen, afirmando que consegue colocar uma operação online no ar, de ponta a ponta, em, no máximo, quatro semanas.
Com quatro grandes centros logísticos no Brasil – dois em São Paulo, um em Brasília e outro em Salvador –, a empresa opera mais de 4 milhões de produtos por mês e deve movimentar cerca de R$ 4,5 bilhões até o fim do ano. Ela está por trás de operações digitais de empresas como Pernod Ricard, Três Corações, Nespresso, Luxottica, Motorola, Kopenhagen, entre outras.
A companhia faz toda a operação e fica com uma média de 20% a 25% da receita de cada produto vendido no ambiente digital. “Se o cliente vende mais, a gente ganha mais”, diz Schoppen. “Por isso desenhamos a estratégia a quatro mãos, a equipe do cliente com a nossa.”
Por reunir todos os serviços numa única solução, a Infracommerce acaba competindo com várias companhias, ao mesmo tempo em que tem poucos concorrentes no nicho de full commerce.
No desenho de uma solução digital de e-commerce, por exemplo, compete com a VTex e com a Magento. Na logística, concorre com transportadoras. Em meios de pagamentos, com as adquirentes. No full commerce, seus rivais são os marketplaces como o Mercado Livre e varejistas como Magazine Luiza e Via Varejo.
“O desafio em operações como essa é ser bom em todos os segmentos. É difícil conseguir isso”, diz Renato Mendes, professor de empreendedorismo e marketing digital do Insper e colunista do NeoFeed. “Ao mesmo tempo, para as marcas, é importante para não perder foco com um negócio que não é o core delas.”
A VTex, que, em novembro do ano passado, recebeu um aporte de R$ 580 milhões liderado pelo Softbank, com a participação da Gávea Investimentos e da Constellation Asset Management, é vista como a mais disruptiva no campo digital. Indagado sobre essa competição, Schoppen usa uma metáfora para diferenciar o seu trabalho.
“A VTex e a Magento são como carros de Fórmula-1. Existem bons e outros excelentes. Pode ser um Honda ou um Ferrari”, afirma. E continua. “A diferença é que a Infracommerce é uma equipe de F-1. Trocamos o pneu em dez segundos, medimos a temperatura da pista, contamos com metereologistas. Temos uma equipe de F-1 e você entra no carro e pilota.”
Um batalhão de dark stores
Mas não é qualquer “piloto” que pode entrar na “equipe”. “Nossa solução é para quem vende mais de R$ 100 mil por mês no e-commerce”, diz Schoppen. A empresa, agora, se prepara para botar mais combustível na capilaridade da operação. “Estamos com um projeto-piloto de dark stores”, diz Schoppen.
A ideia é investir cerca de R$ 10 milhões para criar uma rede de 80 mini centros de distribuição espalhados pelo Brasil. Com isso, as entregas seriam feitas em até duas horas depois de o consumidor comprar um produto na loja online. Por enquanto, três dark stores estão funcionando em São Paulo e, no segundo semestre, a Infracommerce deverá abrir outra no Recife.
Marcas como, por exemplo, Ambev, Pernod Ricard e Três Corações já estão usando esse formato em São Paulo. “Só conseguimos fazer isso porque temos vários clientes juntos, ganhamos escala”, diz Schoppen. O frete também cai. Com uma dark store no Nordeste, cairia de R$ 30 para cerca de R$ 10.
“Quero ser o cara que ajuda a indústria a não depender dos grandes marketplaces”, afirma Schoppen. A localização de cada dark store é definida depois de uma série de variáveis analisadas pelos algoritmos de inteligência artificial da empresa. São levados em conta os produtos, as regiões, o alcance e as melhores rotas de entrega.
No caso da Pernod Ricard, por exemplo, que vende champanhes premium, a companhia mapeia os bairros de São Paulo onde vivem as pessoas que mais consomem o produto. E, a partir disso, monta uma estrutura para entregar as bebidas compradas no e-commerce em menos de duas horas. “O objetivo é levar o produto o mais perto possível do cliente para entregar mais rápido”, diz Schoppen.
Além desse projeto, a companhia, paralelamente, também tem atuado com pop-up stores físicas. O espaço, os vendedores, o mostruário, tudo é gerenciado pela Infracommerce. “É um modelo parecido com o da Amaro”, diz Schoppen. “O cliente vai lá e faz a encomenda pelo e-commerce.”
“O e-commerce morreu há cinco anos, agora é vez do omnichannel”, diz Schoppen
Ele não revela os nomes das marcas que adotaram esse formato, pois, no fim das contas, “é pago para não aparecer”. Mas afirma que está trabalhando com duas grifes famosas. “O e-commerce morreu há cinco anos, agora é vez do omnichannel”.
“Os executivos brasileiros que não são do mundo digital acham que o e-commerce é feito de uma plataforma, uma agência de marketing digital e logística. Mas tem mais dezenas de coisas que são necessárias para trabalhar num nível Amazon”, diz Kai.
Nos bastidores, diz ele, há toda a tecnologia necessária. Plataforma, ferramenta de busca, ferramenta de gestão, ferramenta de BI (Business Intelligence). Além disso, a camada de operações como logística, SAC, gestão de transportadores, cadastro de produtos.
Ainda há uma equipe de pagamentos, marketing e vendas, que cuida de abastecimento, vendas, promoção, precificação. Tanto no mercado B2C como no B2B, no qual atua com a Unilever.
No total, a empresa conta com milhares de CNPJs cadastrados e mais de 150 distribuidores plugados na plataforma. Diante desse potencial, a empresa criou uma fintech para dar suporte e crédito a esse batalhão de comerciantes. “Já movimentamos milhões de reais por mês”.
O começo de tudo
Quem observa a operação nos dias de hoje entende que faz todo o sentido, ainda mais quando se analisa os números do comércio eletrônico no Brasil. Em 2019, de acordo com a ebit, o e-commerce movimentou R$ 61,9 bilhões no mercado nacional, 16% a mais do que em 2018.
Pode parecer muito, mas não representa nem 5% do que é movimentado no varejo. Há, portanto, muito espaço para crescer. Foi exatamente isso que chamou a atenção de Schoppen.
A Infracommerce foi criada no fim de 2012, depois de o executivo deixar o comando do BrandsClub, clube de compras que concorria com Privalia. Na época, ele percebeu que as marcas de moda tinham dificuldade em atuar na área de e-commerce.
“Muitas me perguntavam como fazer as vendas digitais, como digitalizar as marcas”, diz ele. Por isso, quando saiu da empresa decidiu criar um negócio que levasse as empresas para o mundo online.
“Uma marca pode montar um e-commerce dentro de casa? Claro que pode”, diz ele. “Mas, vendendo R$ 500 mil ou R$ 3 milhões por mês, fica difícil chegar num nível de serviço e complexidade de uma Amazon, um Mercado Livre, uma B2W. O ecommerce é um jogo de escala.”
A ideia foi então criar um negócio que oferecesse o mesmo nível de serviço das grandes empresas. Para isso, entretanto, trabalharia num esquema quase de uma cooperativa.
Com vários clientes, teria o volume e a escala necessários para garantir uma infraestrutura equiparada a de gigantes como a Amazon ou o Mercado Livre.
Os sócios tinham uma plataforma digital, montaram uma equipe de experts em merchandising, marketing digital e vendas. Na época, a companhia recebeu investimentos do fundo de venture capital americano Flybridge Capital Partners e, logo em seguida, do e.bricks eventures.
Até hoje, a Infracommerce recebeu um total de US$ 35 milhões em aportes. O modelo é muito parecido com o de uma companhia chinesa chamada Baozun que trabalha nesse segmento, tem capital aberto na Nasdaq e avaliação de mercado superior a US$ 1,67 bilhão.
Hoje, além do Brasil, a companhia atua na Argentina, Colômbia e México, e conta com um total de 1,5 mil funcionários. “O Brasil representa 90% do faturamento e o restante da América Latina responde por 10%”, diz Schoppen.
A meta é fazer com que os outros países da região passem a representar 40% da receita, nos próximos cinco anos. “É um desafio muito grande. Tirando o Mercado Livre, poucos conseguem operar na região”, diz o executivo. Mas é inevitável. “As empresas estrangeiras querem uma operação regional. Fazer contrato de guarda-chuva para a região toda.”
Sobre novos aportes e a meta do tão sonhado valuation de US$ 1 bilhão, que faria a empresa se tornar um unicórnio, Schoppen tem os pés no chão. “Quero ser um unicórnio sustentável. Minha visão é mais de um alemão tradicional. Montamos uma empresa e não uma boa história para alguém investir. Se você tem uma empresa você pode vender. Se você tem uma história, precisa contá-la muito bem e ter sorte.”
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