Com o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) encaminhando o início do afrouxamento da política monetária, o mundo começa a vislumbrar um novo momento econômico e de investimentos. Se, por um lado, a renda fixa deve continuar interessante nos mercados globais, haverá atratividade da renda variável.

Mas esse novo cenário ainda será marcado por incertezas e volatilidade, exigindo cautela dos investidores, diz Gabriela Santos, estrategista-chefe para Américas do J.P. Morgan Asset Management, que detém US$ 3,3 trilhões em ativos sob gestão globalmente.

“Claramente é uma nova era, não é mais aquela era de juros zero, super previsível, mar calmo”, afirma ela em entrevista ao NeoFeed. “É bom ter um custo do dinheiro, ter juros reais positivos, alocação de capital apropriada. Mas isso quer dizer que nem toda companhia, nem todo ativo, irá bem.”

No começo dessa nova era, os Estados Unidos seguem como o principal mercado global, mas o Japão volta ao radar após 30 anos. Entre os emergentes, Santos destaca as boas perspectivas daqueles ligados aos temas de inteligência artificial e semicondutores, boa parte deles na Ásia, além da Índia, dadas as perspectivas de crescimento.

Já o Brasil segue em segundo plano, sendo um mercado para quem conhece as companhias locais e consegue identificar as boas oportunidades (que existem). Porém, na renda fixa, a volta de juros reais nos Estados Unidos diminuiu o interesse por títulos locais.

“Agora está um pouco mais complicado, especialmente com um pouco mais de atratividade da renda fixa americana e mais volatilidade em termos de moedas”, diz Santos.

O início desta nova era vem com a perspectiva de cortes de juros nos Estados Unidos. A grande questão é em qual ritmo a queda se dará, além das dúvidas sobre qual é a taxa neutra dos Estados Unidos, algo que o mercado espera uma resposta já na sexta-feira, 23 de agosto, quando o presidente do Fed, Jerome Powell, fará um discurso no tradicional simpósio de Jackson Hole.

Até que o afrouxamento comece a acontecer, Santos entende que os mercados seguirão turbulentos. “Vamos continuar com essa volatilidade elevada dos juros americanos até realmente termos o primeiro corte, entender melhor o ritmo [dos cortes] e a visão deles do [ponto] neutro”, diz.

Acompanhe, abaixo, os principais trechos da entrevista:

O que explica a recente volatilidade nos mercados globais?
A volatilidade que vimos no fim de julho e começo de agosto teve uma grande dose de fatores técnicos. Muitos investidores, do mundo todo, estavam basicamente investidos da mesma maneira. E aí, quando teve uma pequena mudança no lado dos fundamentos, essas posições são removidas ou mudadas, e isso amplifica o movimento. Mas movimentos técnicos tendem a ser breve, e esse foi. Depois de cair quase 9%, as ações americanas estão a menos de 1% das máximas históricas. Para nós, a visão do mundo, o contexto para o investidor de longo prazo, não mudou muito nas últimas semanas.

Na parte de fundamentos, especialmente dos Estados Unidos, que foi o gatilho para todo esse movimento, qual a situação da economia? O país está caminhando para um soft landing?
Os Estados Unidos estão em um soft landing. O país aumentou os juros no ritmo mais rápido desde os anos 1980, mas já faz um ano que os juros não sobem e nesse período a economia tem estado bem resiliente. Estamos vendo uma normalização do ritmo de crescimento, mas ele ainda é bem bom, perto de 2%, que é a média dos Estados Unidos de longo prazo. Agora, a discussão é por quanto tempo esse soft landing continua antes de uma inevitável recessão, que acontece de vez em quando.

O que isso significa para o Fed?
Da perspectiva Fed, a principal informação foi dada na reunião de 31 de julho, quando Powell disse que o panorama é de um crescimento bom, a inflação voltando ao normal e que vê o mandato do Fed equilibrado entre o lado da inflação e o lado do crescimento, abrindo caminho para normalizar os juros, e manter o soft landing pelo máximo de tempo possível. Está claríssimo que os juros vão começar a cair na reunião de setembro. O que precisa definir é o ritmo dessa jornada da volta a juros mais normais.

A projeção do J.P. Morgan Asset é de dois cortes neste ano?
Essa era a nossa visão anterior, quando o Fed ainda parecia muito preocupado com a inflação. Depois da reunião de julho, com essa visão mais equilibrada nos dois lados, e com a desaceleração do mercado de trabalho, temos que ter humildade [para fazer projeções]. Vai depender muito dos dados do mercado de trabalho de agosto para ver se o Fed vai querer começar devagar, com 25 pontos base, uma vez por trimestre, ou se vão preferir chegar um pouco mais rápido ao neutro. Vamos ver se o discurso do Powell, em Jackson Hole, dá alguma indicação do ritmo que preferem para voltar ao neutro.

Essa incerteza quanto ao ritmo de corte está baseada apenas na questão dos dados?
Ela está baseada em várias coisas. A década anterior foi de juros super baixos e eu acho que a questão para o mercado e o Fed é exatamente qual o neutro hoje em dia? Quão restritivos estão os juros e quão rápido pode cair para voltar ao neutro. Possivelmente o Powell comente um pouco disso amanhã [sexta-feira, 23 de agosto]. O segundo é qual a real eficácia da política monetária. Parece que a economia americana está menos sensível a mudanças no juros, e esse é o grande tema de Jackson Hole. Por fim é a posição cíclica da economia. O mercado de trabalho está normalizando ou é o começo de uma grande desaceleração?

"O que o Fed precisa definir é o ritmo dessa jornada da volta a juros mais normais"

Uma coisa que vimos é que a incerteza, as diferentes interpretações sobre os dados, tem gerado muita volatilidade nos mercados. Essa volatilidade dos mercados pode ser dissipada ou ainda conviveremos com essa situação?
Vamos continuar com essa volatilidade elevada dos juro americano até realmente termos o primeiro corte, entender melhor o ritmo [dos cortes] e a visão do Fed sobre a taxa neutra. Vamos ter que ver também os dados do mercado de trabalho, o que for dito no primeiro corte e as novas projeções do Fed. Quando a gente entender melhor, aí esperamos um pouco mais de normalização dos juros. Porém, claramente estamos numa nova era, não é mais aquela de juros zero, super previsível, mar calmo. A economia americana vai ter um pouco mais de inflação, juros mais normais e isso gera incerteza.

O que tudo isso significa para investimentos?
Isso não influencia nossa visão otimista em relação aos retornos nesse novo mundo. É bom ter um custo do dinheiro, ter juros reais positivos, alocação de capital apropriada. Mas isso quer dizer que nem toda companhia, nem todo ativo, irá bem. Mas, em geral, ainda é um mundo favorável em termos de renda fixa e ações globais.

Isso para países avançados, especialmente os Estados Unidos, ou os emergentes também vão se beneficiar?
Diria que em geral. Mesmo que o mercado americano seja o mais caro, ele ainda é, de longe, o maior mercado, de melhor qualidade em termos de lucro das companhias, estabilidade desse lucro, é o centro da inovação de inteligência artificial. Mas tem outros mercados também. No Japão, vemos a volatilidade técnica como oportunidade de adicionar exposição, porque a história de longo prazo, que ficou positiva, não mudou. Ela está relacionada às mudanças de governança corporativa, que devem injetar um novo dinamismo e rentabilidade num mercado que estava completamente esquecido por 30 anos.

E os emergentes?
A Ásia emergente tem boas oportunidades com o tema de IA, semicondutores, como Taiwan e Coreia do Sul. A Índia tem sua própria história idiossincrática positiva de longo prazo, que é 20% do índice emergente. Tem bastante coisa para fazer em termos de ações globais.

Como o Brasil se encaixa nesse cenário?
Pelo lado de ações, infelizmente, para o investidor global, emergentes em geral é um percentual pequeno da carteira de ações. E dentro de emergentes, o Brasil é um percentual muito pequeno. Das ações emergentes, 80% é Ásia. Com isso, é mais visto por aquele investidor que investe mais em emergentes especificamente, que olha mais na América Latina, no Brasil, buscando oportunidades específicas, que existem. Mas o Brasil tem boas empresas, boas oportunidades.

E no caso da renda fixa?
Em termos de renda fixa, já foi muito popular investir em renda fixa brasileira e mexicana em moeda local, por causa dos juros de dois dígitos e o diferencial de juros com os Estados Unidos. Isso manteve o real e o peso mexicano forte nos últimos dois anos. Agora está um pouco mais complicado, especialmente agora com um pouco mais de atratividade da renda fixa americana e mais volatilidade em termos de moedas.

"Mesmo que o mercado americano seja o mais caro, ele ainda é, de longe, o maior mercado e o de melhor qualidade"

A situação fiscal brasileira é um tema que preocupa os investidores globais? É uma situação que pesa nas decisões?
O tema é bem relevante pelo lado da renda fixa. Mas em termos globais tem muita discussão sobre as posições fiscais globais, não é só o Brasil que atrai atenção. Estamos vendo isso nos Estados Unidos. Um dos motivos que não vemos os juros de volta a zero nos Estados Unidos é que os juros mais longos precisam ter um prêmio de risco para absorver o déficit muito elevado do país. Isso não é problema para os Estados Unidos, porque é a moeda de reserva do mundo, mas indica que os juros de dez anos devem ficar ao redor de 4%.

Como é esse novo mundo que começa a surgir? E como ele afeta os investimentos?
Esse novo mundo é mais positivo, em que tem crescimento nominal. Terminou aquela era de não ter inflação em países desenvolvidos, crescimento muito baixo. Agora tem um pouco de inflação, não é um problema. E é também um mundo em que tem um potencial de um crescimento econômico real mais positivo por causa de toda essa disrupção tecnológica que estamos vivendo, que tem o potencial de aumentar a nossa produtividade.

O que isso significa para os investimentos?
Com isso vêm juros reais positivos e isso faz com que renda fixa global seja mais interessante. O lucro das companhias ainda pode ser melhor do que o da última década, então tem oportunidade em crédito corporativo e ações. Mas é um mundo que terá períodos de volatilidade por causa de um pouco mais de incerteza sobre inflação e juros e em que o investidor terá de tomar muito mais cuidado com a alocação do seu dinheiro. Não é mais o mundo em que todos surfam os juros a zero juntos e está tudo bem.

Qual tem sido a recomendação para os investidores?
Ainda preferimos, na margem, um pouco mais de ações do que renda fixa, nos Estados Unidos, Japão e Ásia emergente, especialmente Coreia do Sul, Taiwan e Índia. Ainda vemos oportunidades na China, mas, em termos marginais, outras áreas da Ásia emergente são mais interessantes. Na renda fixa, nossa mensagem principal é aumentar o duration, com prazo de cinco e seis anos, pelo custo de oportunidade. No curto prazo, daqui a 18 meses, não vai estar mais 5,4%, então o momento de capturar oportunidades é agora. E gostamos bastante de crédito corporativo, especialmente americano.