Um contexto recheado de incertezas dá o tom do mercado financeiro neste início de semestre. No Brasil e no exterior. As perdas históricas das bolsas americanas nos últimos meses e nem tanto na brasileira não garantem a recomposição dos índices, até porque o principal vetor de baixa das ações está aí e fortalecido: a taxa de juro.
No Brasil, mais uma alta de 0,25 ou 0,50 ponto percentual na Selic, hoje em 13,25%, é certa. Nos EUA, até o fim do ano, a taxa básica pode dobrar do intervalo de 1,50% e 1,75%. Na Europa, o ajuste começa neste mês em 0,25 ponto e deve ter reprise em setembro.
Esse é o cenário geral, mas a perspectiva macroeconômica está num ponto de inflexão, avalia Marco Freire, sócio e gestor de multimercados da Kinea Investimentos – gestora com R$ 62,3 bilhões sob administração.
“Não podemos confundir questões estruturais com ciclos econômicos. Eles continuam existindo e estamos iniciando um ciclo de economia mundial para baixo. Teremos uma recessão industrial e as recessões baixam preços”, afirma Freire, que alerta para “o ponto de inflexão de preocupações”.
A Kinea estima que a inflação nos EUA, de 8,6% anualizada até maio, será de 3% a 3,5% daqui a seis meses e que a recessão industrial vai se propagar a outros setores.
“Não necessariamente teremos uma recessão global, mas Vladimir Putin deu um xeque na Europa, que não sabe como sair dessa posição que implica em ficar sem o gás russo", diz Freire. "Sem uma saída, o PIB europeu poderá cair 2% a 3% no ano que vem. Devemos considerar também que venceu o pacote de auxílios patrocinado por Joe Biden no ano passado e sem perspectiva de renovação e que a China tem problemas com a Covid.”
Para o gestor, o dólar continuará forte lá fora, a bolsa seguirá em baixa e os juros – ainda em alta neste segundo semestre – vão cair mais adiante.
“No Brasil, os investidores continuarão saindo das ações para a renda fixa, mas não acho que este movimento deveria acontecer. Os investidores deveriam aproveitar os preços baixos das ações e ir comprando bolsa. É necessário deixar de olhar pelo retrovisor e começar a olhar para frente”, diz Freire, para quem o Brasil terá momentos de maior volatilidade com a eleição polarizada e sem âncora fiscal.
“O Brasil ganhou com a alta das commodities, mas já gastou tudo com as medidas de desoneração dos combustíveis, energia elétrica e telecomunicação e, agora em fase de aprovação no Congresso, com o aumento do Auxílio Brasil, novo valor do Vale Gás e auxílio a caminhoneiros e taxistas", afirma. "Poderíamos passar a eleição numa situação bem melhor, mas o barco está solto aqui. Estamos mais frágeis."
André Kitahara, gestor de portfólio macro da AZ Quest, do Grupo Azimut, avalia que a inflação e a cruzada dos bancos centrais acionando as taxas de juros, principais fatores que motivaram a queda das bolsas, estão aí e vão continuar.
O fato de o Banco Central ter sido pioneiro na promoção do aperto monetário dá alguma vantagem ao Brasil, mas não muda o cenário central, diz o economista da AZ Quest, que tem R$ 20 bilhões sob gestão.
“Tudo depende da inflação. A migração de investidores da renda variável para a renda fixa ocorreu porque o juro real ficou atrativo, mas nem sempre foi assim. Em algumas janelas de tempo, o juro ficou negativo", afirma. "Mas o ganho real de 6%, que temos hoje na NTN-B, aguenta alguns desaforos”, complementa o gestor, que não vê possibilidade de a economia brasileira registrar um bom crescimento com um juro dessa magnitude.
Para a AZ Quest, crescimento baixo e juro alto é vento contra a bolsa. “Também teremos a eleição de outubro que adiciona volatilidade aos mercados. E quanto mais cedo tivermos alguma visibilidade, especialmente quanto à política fiscal do próximo governo, melhor”, afirma Kitahara.
Ele elege a inflação como a principal variável a ser monitorada pelos investidores no Brasil e no exterior. “A bolsa é uma classe de ativos e o mercado globalizou demais. Portanto, precisamos acompanhar os principais mercados e não apenas o brasileiro”, pontua.
Luiz Sedrani, diretor de investimentos da BV Asset, com R$ 49 bilhões sob gestão, também cita as eleições majoritárias no Brasil como uma variável relevante a monitorar e que se soma a outras de desfecho desconhecido, mas que influenciam os mercados.
“O Federal Reserve subirá mais os juros? Haverá recessão? Haverá mais lockdowns na China? Como o governo chinês vai lidar com novas ondas de Covid? Não temos respostas”, afirma.
Sedrani lembra ao NeoFeed que o primeiro semestre foi difícil para os mercados, mas ressalta: "Sabíamos, desde o início, que o juro mais alto poderia valorizar o real, como aconteceu. Mas aconteceu muito mais nesse período. As commodities foram para a lua, eclodiu uma guerra e o Fed está elevando o juro mais que o esperado”, afirma.
Ele cita que o desempenho (negativo) das bolsas foi histórico e veio com aumento de juro, mas que a economia ainda não desacelerou. "Teremos, portanto, que aguardar porque as repercussões virão. E o cenário americano e global vai impactar no fluxo de capital para o Brasil e emergentes e também os preços das commodities.”
Assim como seus pares, Sedrani avalia que a bolsa brasileira está barata, ante a Selic acima de 13% e juro real de 6%. E alerta que esse cenário de mercado não é sustentável. Contudo, o gestor da BV Asset não vê correção de preços neste momento.
“Em um contexto mais positivo, a bolsa está leve e até pode subir rápido, mas o fluxo de recursos continuará de saída da renda variável em função do juro alto", diz. "E, avançando no cronograma eleitoral, a partir de agosto, as manifestações dos candidatos entrarão nos preços dos ativos."
A despeito da perspectiva de maior volatilidade de preços das ações, Sedrani tem uma visão positiva para as empresas no Brasil. Ele destaca que as companhias têm baixa alavancagem, os dados de emprego melhoram e os auxílios recém-aprovados pelo governo e Congresso devem carrear recursos para o consumo ou para pagamento de dívidas. “E isso é positivo para as empresas”, avalia.