O americano Cole Glass nasceu com um quadro grave de alergia alimentar associada ao pólen. Se ele consome frutas, verduras, legumes, grãos e nozes crus, é acometido por crises severas de tosse, espirro, irritação nos olhos, manchas vermelhas pelo corpo e até dificuldade para respirar. Assim, sua dieta sempre esteve restrita a proteínas, gorduras e carboidratos processados.

“Quando criança, era ótimo comer um pacote de biscoito ou um saco de batatas fritas em vez de cenouras e talos de aipo”, lembra, em conversa com portal The Spoon. Conforme ele crescia, porém, foi percebendo que seria impossível manter esse tipo de alimentação, sob o risco de desenvolver outros tantos problemas de saúde.

Em 2017, sem nenhuma formação em culinária, mas com experiência em algumas das mais inovadoras empresas de tecnologia, como Google, LinkedIn e SpaceX, Glass decidiu criar um substituto para a farinha de trigo tradicional, com baixos teores de carboidratos.

Ao longo de dois anos, na cozinha de seu apartamento em São Francisco, na Califórnia, ele trocou, micrograma por micrograma, os ingredientes das receitas tradicionais de muffin, uma de suas comidas prediletas.

Quase 80 mil bolinhos depois, Glass finalmente chegou à fórmula ideal, uma mistura de proteínas e fibras vegetais. E, assim, em 2020, ele fundou a Hero Bread.

Agora, a foodtech acaba de levantar US$ 15 milhões em uma rodada de série B, liderada pela Cleveland avenue, fundo de Don Thompson ex-CEO do McDonald’s, a DNS Capital e a Union Grove Venture Partners.

Com o aporte, o total financiado chega a US$ 47,5 milhões. Entre os investidores mais antigos da Hero Bread, estão os atletas Tom Brady, do futebol americano, e Kevin Durant, um dos grandes nomes do basquete contemporâneo. Aposentado recentemente, sete vezes campão do Super Bowl, Brady é conhecido por sua aversão à farinha branca. Os pães e tortillas da Hero Bread, porém, o conquistaram.

Como pão de verdade

Ao manter o sabor, aroma, textura e cor de suas contrapartes originais, os produtos desenvolvidos por Glass ganharam não só a atenção de celebridades e entusiastas da saúde.

Desde o início das vendas online no site da startup, em abril do ano passado, a taxa de compra repetida chega a 74%. Na Amazon, o Hero Classic White Bread e o Hero Classic Burger Buns estão os mais procurados.

A próxima meta de Glass é expandir a distribuição para varejistas físicos nos Estados Unidos. Há cinco meses, a empresa estreou em 23 pontos, com 54% dos consumidores voltando a comprar Hero Bread, em pouco mais de um mês. A ideia é, até o final do ano, chegar a 2,3 mil lojas, em 32 estados americanos.

Os investimentos e ascensão meteórica da startup de Glass chamam a atenção dos analistas de mercado. Como em todos os setores, nos ecossistemas agtech e foodtech, a arrecadação de fundos enfrenta grandes desafios. Globalmente, a arrecadação caiu 44% em 2022, em relação a 2021, totalizando US$ 29,6 bilhões, segundo a AgFunder, empresa de venture capital focada no sistema agroalimentar.

Além do sonho

Qual é então o segredo da Hero Bread? A empresa de Glass não é a única startup em busca de uma panificação zero carb.  Só nos Estados Unidos, há a BetterBrand, a Flower Foods e a Bimbo Bakeries.  Com, no máximo, 0,2 grama de carboidrato, os pães da marca têm gosto, aroma, textura e cor muito semelhantes aos pães tradicionais, com, em média, 20 gramas de carboidrato por fatia. Além disso, são ricos em proteína.

“A chave para nós foi passar de lançar um sonho para lançar um negócio”, diz o fundador e CEO da Hero Bread, formado na McDonough School of Business, da Universidade Georgetown. “Você pode as ideias mais ambiciosas ter as maiores ambições, mas é preciso encontrar um jeito de fazê-las funcionar. Hoje em dia, todos [os investidores] estão de olho na margem, em quão lucrativo você é.”

Produtos de panificação com baixos teores de carboidratos é um objetivo há muito perseguido pela indústria alimentícia. Encontrados no milho, trigo, arroz, batata e inhame, entre outros alimentos, os carboidratos são essenciais para o bom funcionamento do organismo, ao fornecer energia para as células.

Consumido em excesso, porém, esse macronutriente está associado a algumas das piores doenças da modernidade –quadros de resistência à insulina, diabetes tipo 2, distúrbios cardiovasculares, problemas hepáticos e renais, entre outros.

Não à toa, o mercado global de produtos dietéticos low carb deve crescer a uma taxa anual composta de 6,9% nos próximos seis anos. Nas previsões da consultoria Data Bridge Market Research, em 2029, os negócios do setor devem movimentar US$ 18,65 bilhões. Há dois anos, movimentavam US$ 10,93 bilhões.