Prêmio de risco é aquilo que o investidor exige receber de ativos menos seguros. Historicamente, os Estados Unidos eram o porto seguro e não precisavam compensar o capital com uma taxa a mais de retorno. Mas há uma percepção de que esse cenário está mudando.
O presidente Donald Trump derramou diversas incertezas dentro e fora dos EUA. A guerra das tarifas mexe tanto com o comércio exterior como com os preços pagos pelo consumidor americano. O tarifaço para o Brasil é de 50% e ameaça produtos como o café - quase um terço de todo o grão importado pelos americanos é brasileiro.
Para Benjamin Mandel, head de research da Jubarte Capital, o impacto dessas medidas seriam mais um choque negativo de crescimento do que inflacionário. “No fim das contas, tarifas desse tipo derrubam a atividade global”, diz ele, em entrevista ao NeoFeed.
Ainda assim, Mandel vê efeitos colaterais que podem beneficiar o Brasil: desvio de comércio, maior demanda chinesa e ganhos em reservas estratégicas. “Um dos maiores fluxos comerciais do mundo hoje é entre Brasil e China. Esse canal só vai crescer”, afirma o economista.
Trump empurrou a incerteza para dentro de casa, o que pode comprometer o papel tradicional dos treasuries como o ativo mais seguro em momentos de estresse global. “O risco é que, mesmo em um cenário de desaceleração, a parte longa da curva continue pressionada, justamente porque há mais prêmio sendo exigido”, afirma Mandel.
Em meio a tudo isso está o Federal Reserve (Fed, o banco central) tentando equilibrar a taxa de juros, mesmo com Trump cada vez mais insatisfeito com os rumos da política monetária. O mandato do presidente Jerome Powell termina em maio de 2026, mas o presidente dos EUA vem pressionando, com todas as suas forças, pela sua saída.
“Na minha época no Fed isso [atentado à independência] nunca foi discutido. Isso é dos anos 1970, algo meio Nixon”, diz Mandel.
Ele fala com o olhar de quem conhece o Fed por dentro. Mandel teve no início da sua carreira uma passagem de cinco anos na autoridade monetária dos Estados Unidos como economista no departamento de finanças internacionais e na equipe de pesquisa do Fed em Nova York, em seguida foi estrategista global na J.P. Morgan Asset Management. Há cinco anos, desembarcou no Brasil para ser o chefe de estratégia de portfólio da Itaú Asset. E mais recentemente se juntou à Jubarte.
A Jubarte Capital foi fundada há um ano e meio pelos ex-Itaú Milena Landgraf Tudisco e Eduardo Camara Lopes, e por Denis Jungerman, que comandou no Brasil o fundo de pensão do Estado de Quebec, Canadá (CDPQ). Hoje conta com um fundo multimercado macro e um fundo imobiliário que somam cerca de R$ 300 milhões sob gestão.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual será o impacto do tarifaço do Trump para o Brasil?
Achamos que o Brasil sairá como beneficiário da guerra tarifária, com efeitos indiretos e diretos. O indireto é que vai desviar um fluxo de bens da China para o Brasil e do Brasil para a China. Um dos maiores fluxos comerciais do mundo hoje é o comércio de soja entre Brasil e China, que deve só crescer. E já vimos esse efeito da China outras vezes gerando inflação mais baixa, o que deve acontecer aqui e isso é ótimo.
E o efeito direto?
Já o efeito direto, é improvável que fique em 50% as tarifas. Essa sequência de deals que tem havido, como no Vietnã, que baixou de 40% para 20%, sugere que seja metade do anúncio. E dito isso, tem muito espaço para negociar porque a base dessa tarifa é mais fraca do que em outros países. Uma tarifa de 50% estaria como uma tarifa de urgência, que seria um déficit, mas não há isso no Brasil.
Há uma investigação comercial que vai do Pix ao etanol.
Por isso estão investigando outras coisas. E a dependência do Brasil aos EUA é bem mais baixa que a da China. Não há um raciocínio econômico nessas tarifas. No final, abre porta para outras negociações, como foi no caso do Canadá que teve como justificativa o fluxo de drogas para os EUA. E talvez o Brasil tenha uma abordagem parecida. No fim, o impacto parece pouco.
"Não há um raciocínio econômico nessas tarifas"
É o jeito Trump de negociar?
Um padrão meio consistente do Trump é o foco em acesso a recursos naturais. Os Estados Unidos querem controlar alguns recursos estratégicos e insumos importantes, e talvez isso possa estar por trás.
Com tudo na mesa, é o momento de realocar a exposição do Brasil?
É uma questão de timing, ver quando os efeitos positivos do resto do mundo podem ajudar o Brasil, mesmo com suas questões internas. É uma história que vai acontecer, mas quando vai ser essa virada, não sei. Para nós, o ciclo de prêmio de risco ainda mostra equilíbrio entre forças para cima e para baixo. Ainda não chegamos no ponto de estarmos mais positivos com o Brasil. Nossa principal aposta ainda é fora do Brasil.
E como avalia a conjuntura internacional?
O ambiente no exterior, fora a bolha do Trump no ano passado, está até razoável. A grande dúvida agora é o timing dos cortes de juros nos Estados Unidos. No começo do ano, o mercado estava com uma visão superotimista - já precificava cortes imediatos. Depois isso se ajustou. Agora, o cenário externo está jogando a favor do Brasil em dois sentidos: primeiro, porque a política monetária global pode ajudar, pode dar espaço para os mercados domésticos. Segundo, porque o impacto das tarifas do Trump, no fim das contas, é mais um choque de crescimento do que de inflação.
"O cenário externo está jogando a favor do Brasil"
O Fed, então, pode não se mexer?
O Fed pode continuar parado ou até cortar os juros, se o crescimento desacelerar. Mesmo com preços subindo por causa das tarifas, isso vem com um efeito colateral de desaceleração da atividade. No final, isso reforça uma tendência de juros mais baixos, ou pelo menos estáveis.
Você acredita em uma recessão nos EUA?
Eu sempre acho que o risco de recessão continua baixo. A economia americana tem muito momentum. Está mostrando resiliência frente aos choques de crescimento. Depois que as tarifas foram anunciadas, todo mundo achou que ia ter recessão. Mas com mais dados sobre a natureza do choque, a expectativa agora é que o crescimento continue mais baixo, sim, mas não uma queda dramática. O risco de uma recessão mais forte está, por ora, contido.
Mas tem uma incerteza no ar…
Exato. O 'coringa' (wild card) nos EUA hoje é a incerteza. E a gente não tem muito precedente para medir o impacto disso no crescimento, nem o timing desse impacto. Pode ser linear ou não linear. É difícil saber. Recessão é, no fundo, uma mudança de comportamento do setor privado. É quando empresas e consumidores se tornam mais cautelosos. E esse tipo de virada é difícil de antecipar. Então, estamos num cenário onde a incerteza tem uma cauda bem mais pronunciada do que o crescimento em si. E isso, para portfólios globais, pesa.
"Então estamos num cenário onde a incerteza tem uma cauda bem mais pronunciada do que o crescimento em si"
Diante dessas incertezas políticas, pressão fiscal e outros problemas geográficos, o privilégio exorbitante americano [benefícios que os Estados Unidos têm devido à sua própria moeda] está chegando ao fim?
Diria que o grau desse privilégio vem diminuindo talvez há 10 anos, e isso começou a aparecer nas compras de ouro na China. Então, isso já estava acontecendo na última década com essa concorrência estratégica de protagonismo mundial entre EUA e China. O centro de poder do mundo vem mudando. E agora Trump só puxou mais isso.
Mas isso significa uma demanda menor para o dólar em momentos de risco?
Amplificou uma tendência que já vem acontecendo. Mas esse privilégio vai continuar existindo porque a economia americana é muito grande e tem muito poder de barganha. Na margem, o grau de privilégio exorbitante vai diminuir com a distribuição de crescimento no mundo. Não acho que seja algo binário, ou seja, tem ou não. São graus…
O que isso quer dizer?
Sempre houve uma demanda estrutural, quase automática, por ativos americanos. Mas isso já começou a mudar, talvez há uns dez anos. A demanda estrutural pelo dólar vem caindo, e a China, por exemplo, tem aumentado significativamente suas compras de ouro — o que é um movimento bem simbólico.
"A demanda estrutural pelo dólar vem caindo, e a China, por exemplo, tem aumentado significativamente suas compras de ouro"
Isso se traduz em um dólar mais fraco?
Na margem, sim. A tendência é de um dólar estruturalmente mais fraco. A gente está vendo oscilações de curto prazo agora, por causa do ruído do Trump. Mas, no longo prazo, a tendência é essa. Isso também afeta os prêmios que antes não existiam nos EUA nos últimos 20 anos.
Como assim?
O prêmio de qualidade institucional, por exemplo. Durante muito tempo, os ativos americanos carregavam quase nenhum prêmio institucional, porque a qualidade institucional era dada. Agora, isso começa a mudar. A parte longa da curva de juros nos EUA está começando a embutir um prêmio de risco maior. Isso reflete a menor confiança institucional. Mas a redução do grau de privilégio exorbitante vai deixando isso mais visível.
Qual é a sua avaliação sobre a discussão da independência do Fed?
Na minha época de Fed isso nunca foi discutido. Mesmo com algumas críticas de políticos, em especial dos mais libertários que não gostavam que o Fed interviesse. Mas agora com o [Jerome] Powell saindo no ano que vem, o Trump está impondo um “concurso de beleza” para ver quem vai sucedê-lo. A última vez que isso aconteceu foi nos anos 1970: essa ideia de governo querer intervir em política monetária é meio Nixon.
"Trump está impondo um “concurso de beleza” para ver quem vai suceder [Jerome Powell]. A última vez que isso aconteceu foi nos anos 1970"
Quais as consequências?
Vamos ver o que vai acontecer porque, apesar de tudo, o Trump mostrou que ouve feedback do mercado, como ocorreu no caso das tarifas na China. Vamos ver no caso do Fed o que deve acontecer com suas indicações.
Quem são eles e qual é a sua opinião sobre os nomes?
Ele está considerando três nomes: Kevin Warsh, Kevin Hassett e Christopher Waller. São perfis bem diferentes. Warsh foi governador na minha época de Fed e tem coisas que o Trump gosta, como ser rico e ter experiência no Fed. Mas ele é um perfil hawkish [austero com a inflação]. Warsh não é um cara que vai diminuir a taxa de juros por acaso, mas tem posições controversas.
E os outros dois?
Já Hassett, que é agora o diretor do Conselho Econômico Nacional, é um economista sério, mas altamente político, e trabalhou muitos anos para os republicanos. E tem o Waller, primeira nomeação do Trump, e que hoje está pedindo a queda de juros. Então, a depender de quem o Trump coloque, o mercado vai reagir e esse prêmio de qualidade institucional vai crescer.
Qual seria a sua escolha?
Para mim, o melhor seria o Waller, que hoje é diretor do Fed. Em termos de qualidade institucional seria a melhor escolha. Agora, seria um caso de estudo se fosse o Hassett, que não tem independência suficiente para enfrentar as pressões do Trump.
Uma real intervenção política no Fed seria algo mais parecido com o que acontece no terceiro mundo e não nos Estados Unidos. É isso que o Trump está fazendo?
O Fed não vai ficar tão “tropicalizado”. Mas qual é a nossa preocupação? Talvez o efeito seja menos visível e seria ter menos proteção do ativo de segurança, os treasuries. Então, se houver queda de ações, não haverá a proteção dos treasuries porque esse padrão está diferente. Ou seja, você tem o risco de as treasuries não cumprirem mais esse papel defensivo como antes.
Qual é a chance de isso acontecer?
O Fed é uma instituição com histórico forte de independência, e o presidente não é o único que determina a política monetária, são votos. E a capacidade de um presidente fazer consenso no comitê é difícil. Então, a precificação e reação do mercado será algo mais sútil nessa curva de juros.
E se todo o mercado está de olho nessa escolha, isso deve fazer preço. Como vocês estão posicionados?
Nós temos muito risco fora do Brasil e temos exposição ampla a ações nos EUA e outros países, posição significativa em ouro e commodities. Então, pensando sobre esse prêmio de risco sendo medido nos EUA, estamos concentrando a exposição na renda fixa na parte curta. Para nós, o crescimento vai afetar bem mais que a inflação na decisão e vai fazer o Fed baixar as taxas de juros. Enquanto as curvas mais longas vão ter essas dúvidas da qualidade institucional nos EUA.
Esse é o cenário?
Esse é o cenário dos EUA. A economia caindo pela guerra tarifária e o Fed cortando juros, mas a curva longa não te protege desse cenário no curto prazo porque tem outras coisas envolvidas. Mas achamos que, acima de tudo isso, o Fed, seja quem for, vai cortar juros porque a economia dos EUA vai desacelerar com essas tarifas do Trump.