No olho do furacão do Covid-19, é difícil encontrar uma empresa ou setor que não esteja adiando planos e segurando investimentos. No mercado de venture capital, os principais fundos estão focados agora em ajudar os seus portfólios a superarem essa crise. Novos investimentos acontecem naqueles negócios previamente acordados antes do coronavírus.

Ainda em maturação no País, mas com uma participação cada vez mais relevante no ecossistema local, os fundos de corporate venture projetam boas perspectivas para ampliarem seus tentáculos em meio à pandemia.

“Não reduzimos nosso apetite por investimentos, nem mudamos nossa tese”, disse Pedro Bramont, diretor de tecnologia e inovação da BB Seguridade, operação de seguros, previdência e capitalização do Banco do Brasil. “Ao contrário. Vamos conseguir fechar mais deals, participar de mais companhias e com cheques menores.”

Responsável pela área de corporate venture da BB Seguridade, ativa desde 2016, Bramont participou de uma live promovida pelo TozziniFreire Advogados e a gestora de venture capital MSW Capital. Na transmissão, os executivos destacaram que o mercado já está precificando o contexto de maior aversão ao risco.

“Tenho visto investidores renegociando reduções no valuation de 20%, 25%, 30%”, afirmou Renato Pereira, diretor de desenvolvimento corporativo do Mercado Livre e responsável pelo MELI Fund, braço de corporate venture da empresa de comércio eletrônico. “Já tínhamos muita coisa plantada que vamos colher agora, mas, provavelmente, com valores mais pé no chão.”

Em operação desde 2013, no Brasil, na Argentina e no México, o MELI Fund já investiu em 26 companhias, entre elas Trocafone e IDwall. Segundo Pereira, o fundo fechou um novo aporte nesta semana – não revelado. E deve concretizar mais um investimento nos próximos 15 dias.

Apesar de ter um follow on previsto para as próximas semanas, a Algar Ventures, do grupo Algar, tem uma abordagem um pouco mais cautelosa. Ao menos, no curto prazo.

“A prioridade agora é olhar o portfólio. Nos próximos 30 dias, a tendência é que os novos investimentos não evoluam”, disse Daniel de Macedo, head da Algar Ventures, que tem no portfólio nomes como Sensix e Alsol, e cujos cheques variam entre R$ 2,5 milhões e R$ 5 milhões.

O executivo enxerga um efeito positivo da pandemia para o venture capital no País. “O mercado vinha caminhando para valuations estratosféricos, com ativos sem justificativa valendo R$ 50 milhões, R$ 100 milhões”, disse. “A entrada de alguns atores inflou esses números, mas a crise vai trazer uma correção saudável para todo mundo.”

“O mercado vinha caminhando para valuations estratosféricos, com ativos sem justificativa valendo R$ 50 milhões, R$ 100 milhões”, diz Daniel de Macedo, da Algar Ventures

Head de inovação da EDP Brasil, Livia Brando compartilha essa visão. Mas faz uma ressalva: “Nós caminhávamos, de fato, para uma bolha e agora tende a haver uma acomodação”, afirmou. “Mas ela vai acontecer muito mais nos grandes deals, e não no early stage.”

Braço da EDP no segmento, a EDP Ventures tem nomes como Dom Rock e Delfos entre suas investidas e segue na mesma toada pré-crise. Além de um programa de aceleração próprio, o fundo tem outra iniciativa em andamento, batizada de Free Electrons, em parceria com oito empresas de energia.

“A ideia é conhecer empreendedores, estabelecer relação e isso, naturalmente, gera um pipeline de investimento”, destacou Livia. “Nossa tese é de longo prazo e não muda, mesmo com os impactos da crise na nossa operação principal.”

Prova de fogo

Para os executivos, a pandemia trará outros reflexos nesse segmento. O primeiro deles diz respeito ao processo de aprovação dos investimentos por parte dos comitês nas empresas responsáveis pelos fundos de venture corporate. “Eles serão mais criteriosos, farão mais perguntas e a sabatina para a aprovação vai ser um pouco mais dura”, ressaltou Pereira, do MELI Fund.

Ele destacou outro componente que vai ampliar a chance de encontrar ativos de maior qualidade. “A crise é um redutor de risco, pois ela põe à prova a capacidade de planejamento e de improvisação”, disse Pereira. “É um teste para saber se aquele empreendedor sabe navegar em um contexto extremamente complexo.”

Bramont, da BB Seguridade, reforçou essa visão: “É possível fazer uma avaliação mais realista do modelo de gestão e da resiliência das companhias e dos empreendedores nos quais planejamos investir.”

De um lado, o Covid-19 abre caminho para refinar a busca por novos investimentos. Ao mesmo tempo, já há quem venha testemunhando a capacidade dos empreendedores diante da crise dentro do próprio portfólio. É o caso da MSW Capital.

A MSW Capital é a gestora do BR Startups, fundo que tem nomes como Microsoft, Banco Votorantim, Bayer e Qualcomm entre seus cotistas. E que já investiu em fintechs como Olivia e QueroQuitar, com aportes que variam de R$ 150 mil a R$ 2,5 milhões.

Segundo Richard Zeiger, sócio da MSW Capital, com o avanço da crise e de questões como o isolamento horizontal, a primeira reação foi fazer uma rodada de reuniões com cada uma das 16 novatas do portfólio do BR Startups.

“Ficamos impressionados com a maturidade e o preparo dos empreendedores”, disse Zeiger. “Praticamente todos já tinham um plano de resposta à crise e sabiam para onde levar o negócio e se era possível pivotar ou não.”

Outro sócio da MSW Capital, Moises Swirski, completou: “Eles não iniciaram o susto indo bater na nossa porta”, afirmou. “A conversa veio depois, já avançada. A maioria já tinha resolvido essas questões dentro de casa.”

“A crise é um redutor de risco, pois ela põe à prova a capacidade de planejamento e de improvisação dos empreendedores”, diz Renato Pereira, do MELI Fund

Esse cenário não exclui, porém, o fato de que todos os fundos estão buscando ajudar suas respectivas investidas a atravessarem esse momento. “Tenho falado com muitos fundos de corporate e todos estão seguindo a mesma linha”, disse Livia, da EDP Ventures. “Testes e testes de stress de caixa para desenhar cenários de perda de 25%, 50%, 75% e 100% de receita.”

Outra forma de apoio é a busca por acelerar os contratos e parcerias com áreas de negócios das próprias empresas responsáveis pelos fundos. No caso da EDP, o foco no momento são os projetos de redução de custo e que ajudem a minimizar os impactos do Covid-19. Nessa última vertente, a EDP lançou, recentemente, um edital de R$ 1 milhão voltado a iniciativas de startups e ONGs.

O auxílio na procura por fontes que possam reforçar o caixa é outro expediente que está ganhando corpo. As alternativas incluem desde novas linhas de financiamento até o depósito de valores que podem ser convertidos em participação posteriormente.

Para Pereira, o modelo de corporate venture traz ainda um diferencial em relação a outras modalidades de investimento: o fato de as empresas por trás desses fundos estarem passando pelo mesmo desafio. “Muitas vezes, dentro de casa, estamos passando por ajustes que elas também precisam fazer”, disse.

Dentro dessa abordagem, ele observou que, nessa semana, todas as empresas do portfólio do MELI Fund reuniram-se com executivos do mercado livre. “Temos os nossos próprios problemas. E podemos compartilhar o que temos feito.”

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