De olho no número crescente de investidores no mercado brasileiro, as gestoras tradicionais e as assets independentes não têm medido esforços em outro campo de batalha: a disputa por talentos e times inteiros de profissionais, dado que o setor se baseia, fundamentalmente, em capital humano.

Nesse front, um dos movimentos mais recentes veio da Itaú Asset Management. Na quinta-feira, 15 de abril, a gestora de recursos do Itaú Unibanco promoveu a estreia oficial de dez integrantes em sua equipe. São eles: Joel, Eddie, Wace, Ray, Boaz, Leda, Pete, Jack, Ada e Kelly. Os nomes ainda são praticamente desconhecidos no mercado financeiro, mas a expectativa é de que eles façam bastante barulho no setor.

Os contratados são, na verdade, dez robôs desenvolvidos pela gestora Quantamental. Com nomes, avatares e perfis próprios, esse time e a equipe de “carne e osso” da gestora carioca estão por trás da mais recente oferta da Itaú Asset, com fundos quantitativos, baseados em algoritmos, modelos matemáticos e inteligência artificial.

A Quantamental é a 15ª peça sob o guarda-chuva de Multimesas, o braço de mini-gestoras da Itaú Asset. Com R$ 59,6 bilhões sob gestão, dentro de um total de R$ 760 bilhões gerido pela asset.

“A Quantamental tem uma estratégia inovadora e muito complementar, que vai diversificar o nosso risco”, diz Carlos Augusto Salamonde, CEO da Itaú Asset Management, com exclusividade ao NeoFeed. “E não estamos falando de uma hipótese. É um modelo que já tem nome, sobrenome e track record.”

Segundo o executivo, não se trata de uma aquisição. Assim como as demais ofertas incluídas em Multimesas, com o acordo, o time da Quantamental foi plugado na estrutura da Itaú Asset.

O histórico da gestora e de seus fundadores foi o que chamou a atenção da Itaú Asset, no fim de 2020. “Eu trabalho com o modelo quanti há 13 anos”, diz Victor Dweck, cofundador e CEO da Quantamental. “Sempre quis combinar o poder da máquina com o conhecimento humano, colocando os dois a favor dos investidores.”

Essa abordagem começou a ser estruturada em 2017, quando Dweck era gestor em um family office. E foi colocada em prática, de fato, no início de 2020. Desde então, o trabalho conjunto dos robôs e da equipe da gestora já se traduz em números.

Um exemplo é o Quantamental Hedge, uma das duas ofertas que compõem esse novo portfólio da Itaú Asset. O fundo de long short neutro gerou um retorno de 12,57%, ante 3,37% do CDI, sua referência, desde janeiro do ano passado. Em 2021, os índices são, respectivamente, de 4,56% e 0,59%.

O fundo Quantamental Hedge gerou um retorno de 12,57%, ante 3,37% do CDI, sua referência, desde janeiro do ano passado. Em 2021, os índices são, respectivamente, de 4,56% e 0,59%

Para chegar a esses números, os robôs são treinados a partir de diferentes modelos matemáticos e fundamentos, e passam por testes antes de entrarem definitivamente em operação. Todo esse processo, incluindo a atuação na ponta, tem a supervisão da equipe da Quantamental, que interfere sempre que preciso.

“Essa é a beleza do negócio. Não estamos dizendo que, agora, a máquina vai fazer tudo sozinha”, diz Salamonde. “Ao contrário. Esses caras comandam e sabem como fazer os robôs trabalharem para eles e vão calibrando o modelo.”

Foi o que aconteceu nas primeiras semanas do avanço da Covid-19, em março de 2020. O robô Wace, voltado a analisar os relatórios de analistas, foi desligado durante pouco mais de um mês. Justamente porque os analistas, confusos com o cenário instaurado, interromperam as suas publicações.

“Eu me considero, literalmente, um técnico de robôs”, brinca Dweck. “Hoje, nossa equipe é quase um time de futebol. São dez robôs na linha e nós fazemos o papel de goleiro.” Nessa escalação, cada robô tem um papel definido e um nome inspirado em alguma figura relevante do mercado de investimentos.

Esse é o caso de Eddie, o robô mais experiente do time, voltado a encontrar oportunidades de arbitragem estatística. Ele foi batizado em homenagem ao americano Edward Thorp, um professor do MIT que, na década de 1960, começou a testar modelos matemáticos. Primeiro em cassinos e, posteriormente, em Wall Street.

A partir da década de 1970, Thorp fez fama e fortuna à frente do fundo Princeton Newport Partners, apontado como o primeiro fundo quantitativo do mercado. Sua história inspirou o filme “Quebrando a banca”, lançado em 2008 e protagonizado pelo ator Kevin Spacey.

Outro integrante da trupe atende pelo nome de Leda, “trader” focada nas tendências do mercado de ações e cujo nome é uma homenagem à brasileira Leda Braga, fundadora da gestora Systematica e conhecida como a “rainha dos fundos quantitativos”.

Centrada na contratendência do mercado de ações, a mais nova adição a essa equipe leva o nome de Ada e foi inspirada em Ada Lovelace, filha de Lord Byron e considerada a primeira programadora da história.

Joel, o "funcionário do mês" da Quantamental

Há espaço, inclusive, para o “funcionário do mês”. Quem alcançou esse status recentemente, por sua performance, foi Joel, o robô que se dedica ao estudo do balanço de companhias de capital aberto no Brasil e nos Estados Unidos.

O time conta ainda com nomes como Ray, focado em small caps; Boaz, que analisa empresas em recuperação; e Pete, que trabalha com portfólios em um horizonte de investimentos de longo prazo.

A oferta da Quantamental está sendo lançada com o Quantamental Hedge, no qual todos robôs operam, e o Quantamental Gems, focado nas small caps da Bolsa brasileira. Com quase 50 ações na carteira, o fundo acumula um retorno de 15,4% em 2021, contra os 4% do índice de small caps da B3.

Baixa penetração

Comuns em mercados como os Estados Unidos, que tem exemplos nessa frente desde a década de 1970, por meio de nomes como o próprio Edward Thorp, os investimentos baseados em robôs ainda não decolaram no Brasil. É o que mostra uma pesquisa da TradeMachine, empresa brasileira que também atua com a oferta de fundos no modelo quantitativo.

Segundo o estudo, divulgado em setembro de 2020, apenas 6% dos investidores brasileiros fazem uso de algum tipo de robô em suas carteiras. O levantamento também mostrou que 59% dos participantes têm algum tipo de receio em relação a esses recursos.

Entre aqueles que apostam nessa frente, o modelo mais aplicado no País é o de robô advisor e dos algoritmos que criam e gerenciam portfólios de investimento de acordo com os objetivos e o perfil de cada cliente. No mercado brasileiro, encaixam-se nessa seara corretoras como Magnetis e Warren.

“A característica mais significativa desse movimento é a mudança de foco da indústria de investimentos, que deixa de ser baseada na mera oferta de produtos e passa a ser centrada no cliente”, afirma uma fonte do mercado.

Menos popular, o segundo formato é aquele proposto pela Quantamental. Os fundos quantitativos usam a combinação de modelos matemáticos, algoritmos e inteligência artificial para analisar os padrões e o histórico de mercado. E, a partir disso, criar estratégias de investimento.

Dweck, da Quantamental, tem uma explicação simples para a penetração ainda baixa dos modelos quantitativos no País. “A performance do que já foi ofertado não foi incrível”, afirma. “Sem dúvida, temos o desafio de ampliar essa fatia.”

Para Cezar Taurion, vice-presidente de Inovação da Ciatécnica Consulting e titular da coluna Mente Programada, no NeoFeed, a melhoria dos algoritmos e o uso da computação quântica ajudarão nessa tarefa. “Cada vez mais, os robôs estarão na linha de frente das interações das instituições financeiras”, diz.

Reposicionamento

A chegada da Quantamental integra uma estratégia mais ampla da Itaú Asset, que começou a tomar forma em 2019 e foi reforçada quando Salamonde assumiu como CEO, em outubro passado. O objetivo? Responder ao avanço das plataformas e assets independentes.

“Nós tínhamos duas opções. Ou brigávamos nesse espaço sem as armas corretas, o que fatalmente nos levaria à derrota”, afirma Salamonde. “Ou nos reposicionávamos para competir nesse mercado de retorno absoluto, com fundos multimercado e de renda variável.”

O formato Multimesas reúne justamente as armas da Itaú Asset nessa disputa. O modelo inclui 15 "mini-gestoras" plugadas na estrutura da gestora do Itaú Unibanco.

Apesar dessa conexão e dos recursos ofertados pela Itaú Asset, cada uma delas atua, na prática, como uma casa independente e têm autonomia e equipes para desenvolverem suas próprias estratégias de investimento.

Ao mesmo tempo, todas são alimentadas por dados gerados por uma equipe composta por PhDs e cientistas de dados, entre outros profissionais, da Itaú Asset. “Nós conseguimos mostrar que o Itaú não é apenas uma asset tradicional”, diz o CEO.

Segundo um estudo da Trademachine, divulgado em setembro de 2020, apenas 6% dos investidores brasileiros fazem uso de algum tipo de robô em suas carteiras

Esse movimento foi acompanhado pela abertura às ofertas de outras assets. Mais recentemente, a gestora passou a distribuir seus fundos em outras plataformas. Entre elas, BTG Pactual, XP, Órama, Easynvest e Modalmais.

O próprio portfólio da Quantamental já está disponível em plataformas como BTG Pactual, Modalmais e Órama. E prepara a entrada em outras quatro casas. “Estamos aumentando nossos aquários de pescaria”, conta Salamonde.

Os próximos passos também envolvem a ampliação de fronteiras. Mais especificamente, nos negócios offshore da gestora, que conta com uma operação em Nova York. “Vamos montar equipes para reforçar nossa atuação em emerging markets, no mesmo modelo de multimesas”, diz o executivo.

Nessa estratégia, ele não descarta ampliar a estrutura com um escritório em Londres. “Precisamos ir além da América Latina e sermos um player relevante também no mercado de emergentes”, afirma. “É uma demanda dos nossos clientes. Tanto do Brasil, como do exterior.”