No fim de junho, o PicPay decidiu adiar sua abertura de capital na Nasdaq, anunciada dois meses antes. A suspensão da operação foi acompanhada por uma promessa. A J&F Participações, sua controladora, se comprometeu a injetar R$ 3 bilhões na fintech até 2023, à espera de uma janela mais favorável para o IPO.

“Nós adiamos o IPO, mas não adiamos os nossos planos”, afirma Eduardo Chedid, vice-presidente de serviços financeiros do PicPay, em entrevista ao NeoFeed. “Estamos executando exatamente o que tínhamos traçado, como se tivéssemos feito a abertura de capital.”

Sob essa orientação, a empresa adiantou ao NeoFeed um dos projetos em teste nos bastidores da operação e que será lançado dentro de algumas semanas: um marketplace de produtos e serviços financeiros voltado aos pequenos empreendedores e lojistas cadastrados em sua plataforma.

Com a iniciativa, o PicPay dá mais um passo em sua ambição de deixar de ser visto como um meio de pagamento e se consolidar com um superapp. E, ao dar mais foco a esses parceiros, mostra que está disposto a jogar de igual para igual com outros nomes que também investem nesse conceito no País.

“A oferta de crédito será o pontapé desse marketplace”, afirma Adriano Navarini, diretor sênior de pessoa jurídica e aceitação do PicPay. “Essa é a grande necessidade desse público, especialmente o pequeno empresário, e vamos dar mais de uma opção de oferta, prazo e operação para esse cliente.”

Inicialmente, esse portfólio contará com três modalidades: antecipação de recebíveis, empréstimos para capital de giro e o chamado crédito fumaça, como são conhecidas as operações realizadas com base na análise das projeções de recebíveis futuros.

Dentro da proposta de viabilizar os empréstimos por meio de terceiros plugados em sua plataforma, o PicPay começou a testar a oferta de crédito há cerca de um mês, com três parceiros, de nomes não revelados. O modelo está sendo validado com uma base restrita de cinco mil clientes.

No cronograma desenhado pelo PicPay, a projeção é concluir os testes dessa ferramenta até o fim do mês de setembro. Finalizada essa etapa, o plano é promover o lançamento com as alternativas de acesso a crédito no quarto trimestre de 2021.

O PicPay conta com 55,4 milhões de usuários cadastrados em sua plataforma. Desse total, 27,3 milhões são ativos

“Estamos acelerando o processo para colocar essa oferta o mais rápido possível na rua”, observa Navarini. Ele destaca o fato de o PicPay ter uma visão privilegiada das transações desses lojistas como uma vantagem na análise do risco para a concessão do crédito.

O PicPay já definiu os próximos segmentos que irão encorpar esse marketplace. No quarto trimestre, a empresa começa a testar com parceiros as ofertas em seguros e cartão de crédito. A previsão é de que elas sejam lançadas no primeiro trimestre de 2022.

Anunciada em junho deste ano, a aquisição do GuiaBolso também deve contribuir para consolidar esse marketplace. Entre outras ofertas, a fintech vinha desenvolvendo um serviço de análise de crédito para o mercado B2B, além de conceder crédito pessoal via parceiros como BV, Digio e Creditas.

“Com o GuiaBolso, nós também conseguimos agregar todas as contas bancárias do cliente em um único aplicativo”, diz Chedid. “E, ao consolidar essas informações, podemos dar capacidade de gestão financeira para esse pequeno empresário.”

Sob a ótica de construir uma rede de aceitação para os seus usuários, os lojistas sempre estiveram entre os focos do PicPay. Agora, porém, a empresa parece ter entendido a necessidade de estreitar mais essa relação.

Com o lançamento de produtos destinados a essa base, a fintech passa a ter outros argumentos para atrair, reter e rentabilizar esses parceiros dentro do seu ecossistema, além do acesso aos 55,4 milhões de usuários cadastrados em sua plataforma, dos quais 27,3 milhões são ativos.

“O PicPay tem muitos usuários, mas o PIX nivelou o terreno e é preciso tirar mais coisas da cartola”, diz Bruno Diniz, sócio da consultoria Spiralem. “Oferecer produtos para esse outro cliente é crítico para o espaço que eles querem ocupar. É o que se espera de uma empresa que propõe ser um superapp.”

Ele enxerga dois nomes como os principais rivais do PicPay nessa arena. “O Magazine Luiza, na ponta do varejo, e o Banco Inter, entre os players financeiros, são as duas empresas que mais avançaram dentro desse conceito.”

Recentemente, o Magazine Luiza, por exemplo, anunciou algumas novidades na área de produtos financeiros voltadas aos sellers do seu marketplace. O pacote inclui o lançamento de uma conta digital e de maquininhas de pagamento, além dos testes na oferta de crédito para esses vendedores.

Outras companhias estão olhando cada vez mais para empreendedores, pequenas e médias empresas. Entre elas, o Mercado Livre, por meio do Mercado Pago, seu braço financeiro, e a Via, com sua fintech banQi, que já anunciou o plano de lançar contas digitais e opções de crédito para pessoas jurídicas.

De vendedores de coco às grandes redes

O markeplace para PJs é fruto de outro movimento feito pelo PicPay. A área centrada nesses estabelecimentos começou a ganhar mais peso há cerca de um ano e essa estratégia ganhou impulso, de vez, em março, com a chegada de Navarini, ex-SafraPay e Cielo, para liderar essa nova estrutura.

A iniciativa, por sua vez, integra um leque mais amplo de contratações e de diversificação dos negócios da fintech. Esse pacote inclui novas frentes como cartões de crédito e empréstimos pessoais; uma operação de empréstimos entre usuários; e a loja de aplicativos PicPay Store, entre outros lançamentos.

Alguns dados traduzem o novo status da área de PJs na empresa. Em 2021, o PicPay triplicou o número de profissionais dedicados a esse segmento. Hoje, essa operação tem mais de mil funcionários, divididos entre produto, tecnologia, operações, atendimento e representantes nas principais cidades do País.

Com essa equipe, no fim de junho, a área chegou a 1,5 milhão de estabelecimentos ativos, o que representou um crescimento anual de 150%. Desse total, 550 mil são credenciados diretamente pelo PicPay. O volume restante integra a carteira via parcerias com as  adquirentes Cielo, Rede e Getnet.

Em junho, a área de PJs do PicPay chegou a uma base de 1,5 milhão de estabelecimentos ativos, um salto anual de 150%

“Nós olhamos desde o vendedor de coco na praia até as grandes redes do varejo”, diz Navarini. Nesse último grupo, que inclui nomes como Raia Drogasil (RD), Carrefour e redes regionais como Angeloni, Condor e Grupo Mateus, as adições mais recentes foram o Grupo Pão de Açúcar e o Habib’s.

Essa rede de aceitação gerou um TPV de R$ 1,2 bilhão no segundo trimestre de 2021, um salto de 91% na comparação com igual período, um ano antes. Entre abril e junho, o TPV total do PicPay, que inclui as demais transações da plataforma, foi de R$ 16,5 bilhões, alta de 163%.

“A área de PJs e as novas unidades de negócios representaram 17% desse TPV no segundo trimestre”, afirma Chedid, que dá uma medida do potencial que o PicPay enxerga nesses novos braços. “A gente imagina que, no prazo de três a quatro anos, elas representem 60% do nosso negócio.”

Em linha com a estratégia adotada pela empresa, a escalada em indicadores como a ampliação da base de usuários e também em novos serviços tem sido feita às custas de queima de caixa - um modelo muito comum no Vale do Silício, mas para o qual muitos investidores brasileiros ainda torcem o nariz.

No segundo trimestre, o PicPay registrou uma perda de R$ 465,3 milhões, contra um prejuízo de R$ 156,1 milhões reportado há um ano. Em 2020, a última linha do balanço mostrou uma perda de R$ 803 milhões.

Entre abril e junho desse ano, entretanto, a receita líquida da companhia ficou em R$ 238,2 milhões, o que representou um crescimento de 165,4% sobre o número reportado no segundo trimestre de 2020.