Os primeiros turistas chegaram na tarde de 2 de fevereiro de 1907, a bordo do navio a vapor Golondrina II. Empresários argentinos e uruguaios, de “alto poder aquisitivo, com visão clara e olfato apurado”, como se noticiou à época, vieram de Montevidéu, em uma viagem “tranquila, sem movimentos bruscos”. A excursão fora planejada por uma empresa local para promover o balneário que começava a despontar na porção mais oriental da costa do Uruguai: Punta del Este.

Os visitantes ficaram encantados com as praias de areias brancas e águas claras da região. Apenas três quarteirões separavam La Mansa, protegida pela baía do rio da Prata, da selvagem La Brava, aberta para o Atlântico. Alguns compraram ações da Sociedade Termal de Punta del Este, enquanto outros encomendaram a construção de chalés. E, assim, a estância se firmou como destino de verão — primeiro, das elites argentinas e uruguaias e, depois, do jet set internacional.

O tempo passou, os personagens do grand monde mudaram, mas Punta continuou sinônimo de elegância e requinte. Não à toa é hoje conhecida como o “Hamptons da América do Sul”. Nos últimos anos, no entanto, o perfil do lugar começou a mudar — sem jamais perder o glamour. É crescente o número de estrangeiros com bolsos fundos que escolhem a cidade para morar.

Aos poucos, Punta deixa de ser um destino para férias, agitada apenas entre dezembro e fevereiro, para se consolidar como endereço fixo de donos de grandes fortunas, empresários, investidores e executivos C-level, sobretudo das indústrias de tecnologia e de hedge fund.

Por trás desse movimento, está uma série de benefícios socioeconômicos, oferecidos pelo governo uruguaio e a busca por exclusividade, privacidade e qualidade de vida, potencializada pela pandemia de covid-19.

Apenas nos primeiros três anos da década de 2020, o boom imobiliário de Punta girou US$ 6 bilhões, em novos investimentos. And counting...

Equivalente uruguaio aos brasileiros Albert Einstein e Sírio Libanês, o Hospital Britânico, por exemplo, concluiu recentemente uma unidade no balneário. O mesmo aconteceu com a International College, escola privada bilíngue, frequentada pelos filhos das famílias de alta sociedade.

A chegada de americanos e europeus

Nada, porém, ilustra com tanta perfeição a nova vocação da cidade quanto o Fasano Las Piedras. Inaugurado em 2011, o condomínio ultrapremium combina hotel de luxo com um empreendimento imobiliário, focado no universo dos high-net-worth individuals, ou UNWIs — em bom português, os muito, muito ricos.

“Já temos hoje 11 famílias morando lá o ano inteiro”, diz Danilo Magrini, executive director da JHSF, responsável pelo empreendimento, em conversa com o NeoFeed. Dos 70 lotes lançados até agora, 56 estão vendidos. A maioria para argentinos e brasileiros. Mas os europeus e, principalmente, os americanos começam a chegar.

Três terrenos foram adquiridos por cidadãos dos Estados Unidos. Um deles, tem 55 mil metros quadrados (m²), onde será construída uma casa de 3,5 mil m², em um investimento de mais de US$ 30 milhões, conta Magrini. O comprador? O executivo de uma big tech.

O projeto do Fasano Las Piedras é do arquiteto Isay Weinfeld (Foto: Divulgação)

Para atender ás demandas dos novos residentes, o campo de golfe do resort tem agora 18 buracos (Foto: Divulgação)

O projeto do Fasano Las Piedras procurou interferir o menos possível na natureza. As pedras encontradas no terreno foram, em sua maioria, preservadas, como as da piscina (Foto: Divulgação)

O beach club do Fasano Las Piedras fica na praia de La Barra, a sete minutos de carro do complexo (Foto: Divulgação)

Os residentes têm acesso a todos os serviços do hotel, como ao restaurante Fasano (Foto: Divulgação)

Dois barquinhos elétricos fazem o trajeto do condomínio para o beach club e servem para os adeptos do "birdwatching" (Foto: Divulgação)

O Fasano Las Piedras ocupa uma propriedade de 4,5 milhões de m², às margens do Arroyo Maldonado. Ao hotel, cabem 330 mil m². O resto é todo do condomínio, previsto abrigar apenas e tão somente 150 famílias. A título de comparação, a sofisticada Fazenda Boa Vista, empreendimento da JHSF, no interior paulista, tem 12 milhões de m² e 900 casas.

Em Punta, normalmente, os lotes variam de dois mil a cinco mil m², para residências de 400 a 600 m², a partir de US$ 2,5 milhões a US$ 3,5 milhões. “O cliente tem a opção de comprar somente o terreno e desenvolver o projeto por sua conta, mas nós também oferecemos a ele três, quatro tipologias de casa e entregamos tudo pronto”, explica Magrini. Tudo é tudo. Da arquitetura assinada pelo célebre Isay Weinfeld e Carolina Proto ao paisagismo e mobiliário.

A ser inaugurado em breve, o Villas Golf é, nas palavras do executivo da JHSF, o produto “mais aspiracional” do negócio. São lotes de mil m², com casas de 285 m² e preços entre US$ 1,5 milhão e US$ 2 milhões.

O suprassumo do requinte

O dono de uma propriedade no Fasano Las Piedras pode usufruir de todas as comodidades oferecidas aos hóspedes do hotel. Cinco restaurantes; piscina; spa; quadras de tênis; centro equestre, com pista de areia e picadeiro coberto; campos de golfe e de polo; beach club em La Barra, para onde cliente pode ir a bordo de um barquinho elétrico, em um passeio pelo rio Maldonado... e por aí vai.

“Se o residente quiser fechar o pacote com o hotel, pode ter, por exemplo, o café da manhã em casa, arrumação e abertura de cama todos os dias”, explica Magrini. É o suprassumo do luxo.

Para atender às expectativas do novo residente de Punta, cada vez mais exigente e globalizado, alguns serviços foram (ainda mais) refinados. O campo de golfe, projetado pelo americano Arnold Palmer (1929-2016), um dos maiores nomes do esporte mundial, ganhou mais nove buracos, em 2022, e agora tem 18.

No mesmo ano, foi inaugurada a pista de pouso privativa, com 1.260 metros de comprimento. O kids club tem agora 900 m², com monitores do hotel em tempo integral. “A horta orgânica também é muito utilizada pelos moradores”, lembra Magrini.

Os benefícios ficais

Enquanto grande parte do mundo mergulha em turbulências políticas e incertezas econômicas, a estabilidade e segurança jurídica proporcionadas pelo Uruguai despertam a atenção das altas finanças e negócios globais.

Na segunda menor nação da região, com 3,5 milhões de habitantes, os indicadores sociais, políticos e econômicos se revelam em superlativos.

Única democracia plena entre os vizinhos sul-americanos, tem maior PIB per capita e as menores taxas de pobreza. Possui a qualidade de vida mais alta e a matriz energética mais verde. É a menos corrupta e a mais avançada em pautas progressistas — a primeira a legalizar todos os usos da maconha e a permitir o aborto, em qualquer circunstância.

Mas o país só passaria a ser, de fato, considerado como destino de viver para os UNWIs, em 2020, com a eleição de Luis Lacalle Pou. Um mês depois de tomar posse, de modo a “ativar” a economia, o então presidente lançou um pacote de medidas para flexibilizar as regras de residência para quem vem de fora.

Os estrangeiros hoje devem investir, no mínimo, US$ 500 mil em uma propriedade e passar, ao menos, 60 dias por ano no Uruguai. Imóveis a partir de US$ 2 milhões isentam o comprador da obrigatoriedade da estadia — grupo onde está a maioria dos clientes do Fasano Las Piedras, informa o executivo da JHSF.

Entre as vantagens oferecidas aos estrangeiros, está a isenção de impostos sobre os rendimentos das aplicações no exterior, por 11 anos.  O expatriado que queria empreender no país também está livre de uma série de tributos, por períodos de dez a 15 anos. Além disso, as tarifas uruguaias sobre sucessões e doações para ativos estrangeiros tendem a ser bem menores — inclusive, em comparação a vários países europeus.

Para se ter ideia, o número de gestoras de patrimônio estabelecidas no Uruguai saltou de 155 para 174, entre 2020 e 2023, indicam os analistas do Banco Central uruguaio.

O número de clientes cresceu 80%, chegando a quase 49,5 mil. E o volume de ativos, 29%, batendo US$ 37,2 bilhões, no período.

Com uma infraestrutura tecnológica bem estabelecida, o Uruguai vai se firmando também como um importante ecossistema de inovação na América do Sul. Várias techs estão levando seus headquarters e data centers para el paisito, como carinhosamente os uruguaios se referem à nação.

No fim de 2024, a Alphabet, por exemplo, anunciou o investimento de US$ 850 milhões, na construção de um centro de processamento do Google, na cidade de Canelones, a cerca de 50 quilômetros da capital Montevidéu.

Ao que tudo indica, o Uruguai está no caminho para consolidar o antigo sonho de ser “Suíça da América do Sul”.