O CEO da Magalu, Fred Trajano, o CTO, André Fatala, e o management da companhia voltaram recentemente de uma imersão no Vale do Silício. Ali, visitaram as principais empresas de tecnologia do planeta. Foram na Nvidia, na OpenAI, na Meta, no Google e em outros players que estão na vanguarda da inteligência artificial generativa.

Eles voltaram de lá com uma certeza: trata-se de uma mudança única para o mundo dos negócios e para o modo como vivemos. “Estamos às vésperas de uma revolução de um impacto tão grande ou até maior do que foi o surgimento da internet, que mudou avassaladora todos os negócios, a forma como trabalhamos e como estudamos”, diz Trajano.

A viagem não foi à toa. A cada cinco anos, a companhia desenha um novo ciclo estratégico e o próximo ciclo, que acontecerá de 2026 a 2031, já está em curso. E Trajano antecipou o que acontecerá com a Magalu com exclusividade ao NeoFeed. “Depois do e-commerce e do m-commerce (mobile), chegou a vez do AI-commerce”, diz Trajano ao NeoFeed.

Na visão do CEO da Magalu, no futuro, as pessoas conversarão mais com os agentes de inteligência artificial do que com os colegas do lado. Será uma transformação brutal e a companhia tem uma grande vantagem frente aos seus competidores tanto no varejo como em outros setores. A empresa conta com uma influenciadora digital com 40 milhões de seguidores nas redes sociais.

Trata-se da Lu, que, na esteira do avanço da inteligência artificial, terá seu “cérebro” desenvolvido e alimentado para ser um potente motor de vendas. “A minha visão é a de que o varejo será muito mais conversacional”, afirma Trajano. A ideia é treinar o modelo da Lu para, obviamente, ser muito carismática. Mas dentro do contexto de uma jornada de compras.

Além de alimentar o cérebro da Lu, a Magalu tem também outro ambicioso objetivo com a inteligência artificial. É o de transformar a Magalu Cloud em um importante player do setor de infraestrutura na nuvem. “A gente montou a cloud para controlar os custos da nossa operação online”, diz Trajano. “Se funciona para a Magalu, por que não oferecer para terceiros?”, diz Trajano.

Na conversa que tiveram com o NeoFeed, Trajano e Fatala detalharam o futuro da companhia, os ganhos de produtividade que virão, para onde irão os investimentos, os custos que já estão caindo com uma infraestrutura própria e muito mais. Acompanhe, a seguir, os principais pontos:

COMO A MAGALU DEFINE A ESTRATÉGIA
Os principais executivos da companhia costumam fazer viagens de estudo antes de cada mudança de ciclo estratégico. No primeiro ciclo estratégico da gestão de Fred Trajano, que foi de 2016 a 2020, o management foi ao Vale do Silício. “Fomos estudar como funcionavam as áreas de tecnologia de lá, cloud, arquitetura de sistema, digitalização, e-commerce”, diz Trajano. Depois que isso foi implementado, veio o segundo ciclo. “Aí fomos para a China. É o ciclo de diversificação de resultado. Tínhamos digitalizado a companhia, mas a companhia não estava ainda à prova de ciclos econômicos”, diz Trajano. Para isso, os executivos foram aprender os modelos de ecossistema digital chineses, de diversificação, inspirados em Tencent e Alibaba. Daí surgiram o Magalu Bank, o app mais completo, a Magalu Cloud. “Estamos concluindo esse ciclo agora e estamos caminhando para o quinto trimestre lucrativo, mesmo com juros altos. Agora vem o próximo ciclo estratégico”, afirma Trajano.

O NOVO CICLO ESTRATÉGICO
O novo ciclo, que se iniciará em 2026 e que foi revelado com exclusividade ao NeoFeed, será calcado em inteligência artificial. “O potencial impacto disruptivo de uma tecnologia igual a AI eu só vi na implementação da internet no final da década de 1990 e, em menor escala, a revolução do mobile que fez surgir negócios como Uber, iFood, a app economy”, diz Trajano. A AI, diz ele, terá um impacto muito forte tanto para o varejo como para produtividade. Se as duas revoluções anteriores deram origem ao e-commerce e o m-commerce, agora será a vez do AI-commerce. “Essa é uma revolução maior do que as anteriores”, afirma Trajano. Para se preparar para isso, os executivos da Magalu foram ao Vale do Silício e visitaram todos os grandes players do setor para ter uma visão dos modelos fechado, open source e dos provedores de infraestrutura.

OS FOCOS DA COMPANHIA EM INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
A empresa terá duas frentes nessa área. “A mais relevante para nós é o cérebro da Lu. O AI-commerce será uma tendência forte na nossa categoria”, diz Trajano. Mas, além disso, a companhia tem um outro negócio no qual a inteligência artificial será crucial. Trata-se de sua empresa que é provedora de infraestrutura para a própria Magalu e para terceiros: a Magalu Cloud. “Fomos na Nvidia, na OpenAI, no Google e na Meta, que tem o modelo aberto que é o Llama”, afirma Trajano. André Fatala, o CTO da Magalu, complementa que, para escalar em um mercado como o Brasil, a Magalu Cloud estuda usar modelos open source como Llama e agora o do chinês DeepSeek, que são mais acessíveis. “Além de serem mais baratos, você consegue treinar esses modelos com os seus dados e os seus dados ficam com você”, diz Trajano. E tem mais um ponto levantado por Trajano: o da soberania nacional de dados. “No futuro, as pessoas vão conversar mais com a LLM (modelo de linguagem) do que com o colega do lado”, diz ele. É preciso ter modelos treinados no Brasil para não correr o risco de uma diluição cultural.

O PLANO DA MAGALU CLOUD
O desafio é como oferecer um serviço de cloud com ferramentas de AI com preços acessíveis. Fatala diz que a “Magalu Cloud terá uma precificação que realmente endereça os limitadores de Brasil para se utilizar cloud.” Sem o modelo aberto, isso seria inviável diante do alto custo de modelos fechados como os de uma OpenAI, por exemplo. “Nesse caso, você pega o modelo gratuito, copia, diminui e destila. E aí você consegue trabalhar aqui paras as necessidades da Magalu quanto de também prestar esse serviço para startups brasileiras de AI que queiram destilar ou construir os seus modelos em cima de uma infraestrutura nacional com custo em real."

A QUEDA DOS CUSTOS COM INFRAESTRUTURA
“A gente montou a cloud para controlar os custos da nossa operação online”, diz Trajano. “Se funciona para a Magalu, por que não oferecer para terceiros?” Para o grupo, afirma Fatala, a redução de custo com cloud está na casa dos 50%. Quando começou a operação, a Magalu rodava 30% de sua infra na própria cloud, hoje esse índice está em 40%. “Se olhar para clientes terceiros, determinados produtos da cloud que temos são 70% mais baratos do que os de empresas internacionais e estamos no Brasil, o que melhora a latência”, diz Fatala. Hoje, a companhia está em seis data centers no Sudeste e Nordeste. “Um disclaimer importante a ser feito em relação aos hyperscalers é que a nossa cloud não tem todos os serviços, temos o nível básico de computing e continuaremos a ter parceiros para outros níveis”, diz Trajano. O ponto destacado pelos executivos é o de que a Magalu Cloud pode se tornar uma grande geradora de receita porque grande parte das empresas brasileiras não precisa de soluções sofisticadas. O básico é computação, armazenamento, dados, segurança e rede. “65% dos gastos de TI na parte de cloud vão para esses tipos de produtos”, diz Fatala. Além da própria Magalu, a unidade de cloud da empresa conta com 300 clientes.

O IMPACTO NO GRUPO
A companhia acelerou iniciativas de AI para a Magalu e criou uma diretoria de AI, com a chegada do executivo Caio Gomes. O time dedicado a dados e AI também saltou de 40 pessoas para 100 funcionários em um período de 12 meses. A empresa criou para os desenvolvedores do LuizaLabs o que eles chamam de Lu Assistance, usando Llama e DeepSeek, para que o desenvolvimento de produtos seja mais rápido. “Ajuda os desenvolvedores a programar. Estamos pagando um décimo do que pagaríamos se estivéssemos contratando uma solução SaaS”, diz Fatala. Outro projeto, batizado de Bino (o caminhoneiro da série Carga Pesada) foi o de já calcular o frete no processo de navegação do cliente, antes mesmo de entrar nos detalhes do produto. “Mas o maior projeto para a Magalu é o cérebro da Lu”, diz Trajano. “Chagaremos a um universo de AI-commerce, a jornada de compra vai mudar significativamente no futuro e vai, quase que sempre, passar por uma interação com um agente de AI.”

Andre Fatala, o CTO da Magalu

O CÉREBRO DA LU
A Magalu já tem uma vantagem em relação a muitos players porque a Lu se tornou um fenômeno cultural, uma personagem conhecida e seguida por 40 milhões de pessoas nas redes sociais. “O cliente já fala com a Lu, já faz perguntas para ela, já interage. Nosso canal no WhatsApp tem quase 20 milhões de clientes que falam com ela frequentemente”, diz Trajano. Por mês, são 3 milhões de interações para compra. Na visão de Trajano, a jornada de compra será AI First e a Lu terá um papel ainda mais fundamental nesse processo. Por isso, a Magalu está investindo cada vez mais em infraestrutura. A Magalu acredita que a jornada futura de compra vai começar com uma conversa com uma AI, como se estivesse falando com uma vendedora da loja. “A minha visão é a de que o varejo será muito mais conversacional”, afirma Trajano. A ideia é treinar o modelo da Lu para ser muito carismática, para que tenha uma interação mais humana. Segundo Trajano, ela nasceu para ter calor humano em uma experiência virtual. Mas dentro do contexto de uma jornada de compra. “A Lu vai humanizar o processo de compra, entendendo e conversando com o cliente durante o processo.” O cérebro dela será alimentado com os dados de 40 milhões de clientes; catálogos de produtos de fornecedor; base de dados de inputs de sellers; reviews de gente que não comprou, que não são clientes ativos; a gente pode comprar bases e ampliar. Quanto mais dados, melhor.

A NOVA TECNOLOGIA É UMA BANDEIRA AMARELA
Na visão de Trajano, a AI é como uma bandeira amarela em uma prova de Fórmula-1. Não importa se um competidor está duas voltas na frente do outro, quando vem a bandeira amarela, todos voltam para a largada. “Como quem era líder em loja física antes da internet não é mais agora, como quem era líder em desk antes do mobile não é mais líder agora. Então, acho que é a mesma coisa. Novos líderes vão surgir e aqueles que ‘crack the code’ melhor do que será a AI para essa jornada de compra ou para a proposta de serviços computacionais em nuvem terão grandes oportunidades porque o crescimento virá daí”, diz Trajano. E complementa. “Raras vezes na vida você tem a oportunidade de viver uma revolução tecnológica dessa magnitude. Todos os setores serão impactados por essa tecnologia.”

AI NA PRODUTIVIDADE DA EMPRESA
“Um dos pontos bem claros que estamos vendo de impacto é o direcionamento de aumento de eficiência. Você pode fazer tudo de uma maneira melhor, sem nenhum tipo de parada, 24x7”, diz Fatala. Ele explica que as conversas de automatização e robotização que aconteciam há 10 anos, e que não conseguiram ser concretizadas agora poderão virar realidade e serão altamente escalável. “Antes a gente pegava determinado processo e tentava automatizar. Mas, se algum tipo de decisão acontecesse no fluxo desse processo, parava. Agora, você consegue treinar o agente para, dependendo do que está acontecendo nesse fluxo, ele tome uma decisão e continue com o processo automatizado”, diz Fatala. Nos processos de fraude, por exemplo, a tomada de decisão não dependerá de um humano. Um desenvolvedor que faz algumas linhas de código poderá fazer cinco vezes mais. “Eu já ouvi falar de CEOs que não querem mais participar de calls de resultados e vão montar um clone com AI para responder perguntas de analistas”, diz Trajano. Até mesmo decisões estratégicas da companhia poderão, no futuro, ser tomadas em conjunto com agentes de AI. “Estamos às vésperas de uma revolução de um impacto tão grande ou até maior do que foi o surgimento da internet, que mudou avassaladora todos os negócios, a forma como trabalhamos e como estudamos”, diz Trajano.

A SOBERANIA NACIONAL
“Hoje, a questão de dados já é relevante e as grandes opções de cloud no mercado são de empresas estrangeiras. Existem alguns artifícios legais que permitem ao Congresso americano exigir que essas empresas submetam o dado, mesmo de outro país, para ele, ele tem soberania”, diz Trajano. O executivo levanta essa questão porque, na visão dele, no futuro as pessoas conversarão mais com os agentes de AI do que com outras pessoas. “E, se não tivermos modelos construídos de acordo com a cultura local, com os códigos culturais locais, com a linguagem local, a chance de termos uma diluição cultural é muito relevante. Temos controles de quem compra terra no Brasil, de mídia no Brasil, essa questão de soberania cultural é tão importante quanto os outros temas. O governo tem que ter uma agenda para viabilizar players nacionais. Esse é um tema importante para o nosso país daqui para frente. Essa é uma agenda de países superdesenvolvidos, por que não seria do Brasil também?”, diz Trajano.