Se o processo de privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) levantou vários questionamentos nos últimos meses entre especialistas em saneamento e agentes do mercado financeiro, outros acabam de surgir nesta semana.
A intenção de compra de investidores do lote de ações referentes à fatia de 17,3% dos papeis da Sabesp vendidos pelo governo do estado de São Paulo - última etapa antes da conclusão do processo - será definida nesta quinta-feira, 18 de julho, sob grande expectativa.
A operação de reserva de compra, concluída na segunda-feira, 15 de julho, chegou a R$ 200 bilhões, superando em 30 vezes o volume da oferta aguardado inicialmente pelo governo paulista. O total a ser arrecadado no processo de privatização, R$ 14,7 bilhões, representa a maior operação do mercado de capitais no País em 2024.
Apesar de o processo ainda não ter sido concluído, o balanço feito por especialistas em saneamento e do mercado financeiro ouvidos pelo NeoFeed indica que o governo paulista acertou no modelo de desestatização da Sabesp.
Por um lado, as várias regras impostas às empresas de saneamento no certame – como impedir que a vencedora aumente sua participação acionária na Sabesp além dos 15% e dificultar que participe de outros leilões de saneamento – ajudam a preservar a empresa.
A percepção é que o modelo tende a forçar a vencedora a focar na governança e nos investimentos previstos no leilão de privatização: R$ 69 bilhões até 2029, quando terá de concluir a universalização dos serviços de água e esgoto.
Do ponto de vista financeiro, a opção de fazer uma oferta subsequente de ações (follow on), por meio da qual o governo paulista repassa 15% do controle acionário para um acionista de referência - a Equatorial, única participante do leilão -, mantendo ainda 18% das ações, mostrou-se mais interessante do que a privatização da Eletrobras, em que o controle acionário foi diluído.
Como a Sabesp é a maior empresa de saneamento da América Latina, a tendência é de que suas ações mantenham uma rota de valorização sob uma governança privada – trazendo ganhos para o governo estadual, que continua com participação relevante.
Lucro certo
Mas ainda há dúvidas sobre o preço da ação oferecida pelo lote, de R$ 67, muito abaixo da média negociada na B3, de R$ 83. As críticas feitas pela oposição ao governo Tarcísio de Freitas, de que estava entregando a estatal paulista a preço de banana, acabaram sendo reforçadas por esse motivo.
Essa diferença de preço no papel se deve ao modelo previsto no processo de privatização, que atrelou a venda do lote ao preço oferecido pela Equatorial pela Sabesp, R$ 6,9 bilhões por 15% das ações.
Até segunda-feira, 15 de julho, prazo para os investidores enviarem a quantidade de ações que estavam dispostos a adquirir pelo preço estipulado, a demanda pelos papeis da companhia chegou aos surpreendentes R$ 200 bilhões, reservados por fundos de investimentos, corretoras e outros players de grande porte, incluindo R$ 8 bilhões de 25 mil investidores individuais.
Como o total de ações do lote a ser vendido está estipulado em R$ 7,8 bilhões, a maioria dos investidores poderá comprar apenas uma pequena parte do que havia reservado. Mesmo assim, a expectativa quando o booking for anunciado nesta quinta, 17, é de lucro certo.
“A possibilidade de comprar uma ação a R$ 67, sendo que o valor unitário atual é de R$ 83, representa uma oportunidade única”, afirmou ao NeoFeed o gestor de fundo que já tinha posição comprada na Sabesp e dobrou a aposta ao fazer uma grande reserva para o atual lote de 17,3% dos papeis da empresa.
De acordo com a fonte, que não quis se identificar, a primeira expectativa é como o mercado de ações vai se comportar depois que a atual oferta de ações começar a ser negociada no pregão, a partir da próxima segunda-feira.
“Vai ter pressão vendedora, com certeza, porque muitos investidores vão querer realizar o lucro imediatamente”, disse. O mercado estima que os investidores individuais, que terão direito a 11% do lote dos R$ 7,8 bilhões, têm mais chances de vender suas ações – o que em tese deve baixar o preço atual de R$ 83. A dúvida é se esse rally levará o preço da ação abaixo de R$ 67, o que trará prejuízo aos investidores.
O gestor revela que, além do interesse pelo preço da ação, a demanda de R$ 200 bilhões também foi fruto de um movimento estratégico dos grandes investidores para abocanhar o maior lote possível. Muitos fundos fizeram reservas grandes - e maiores que previam - já prevendo essa demanda alta.
No mercado, comenta-se que a Equatorial já está pensando em nomes para tocar a operação. Um dos que vem sendo bastante especulado para comandar a Sabesp é o de Carlos Piani, ex-presidente da Equatorial Energia, que atualmente faz parte do conselho de administração da empresa. Pelas regras da privatização da Sabesp, a Equatorial poderá indicar o CEO, o presidente e outros três dos noves integrantes do conselho.
Governança
Se no mercado financeiro a expectativa de valorização dos papeis da Sabesp é elevada, outros especialistas também se mostraram otimistas com a futura gestão da empresa.
Percy Soares Neto, sócio da Ikigai Consultoria e ex-diretor da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), acredita que o governo estadual soube conduzir muito bem o processo de desestatização da Sabesp.
“O governador Tarcísio de Freitas manteve toda a programação, a despeito das críticas que foram aparecendo, isso deu segurança jurídica que se confirmou na grande procura por ações na B3”, diz Soares Neto, referindo-se ao fato de apenas uma empresa ter se candidatado no leilão e as acusações de que a Equatorial, uma empresa de energia com pouca experiência em saneamento, não teria expertise para gerir a Sabesp.
Sobre a suposta falta de experiência da Equatorial na área de saneamento, Soares Neto não vê problema: “A experiência no setor está dentro da Sabesp, com um corpo técnico de excelência, a Equatorial vai agregar com sua governança e capacidade administrativa.”
O consultor afirma que a mudança na Sabesp será positiva ao setor de saneamento. “A entrada de fundos de investimentos é uma novidade recente que poderá impulsionar o setor, que embora não tenha privatizações à vista, tem previstas concessões em Alagoas e Sergipe”, afirma.
Outro especialista ouvido pelo NeoFeed, que não quis se identificar, revela o que diz ser o melhor resultado do processo da Sabesp: “Para o mercado foi ótimo a vitória da Equatorial no leilão, se fosse a Aegea haveria uma concentração muito forte de mercado”, disse, referindo-se à maior empresa privada de saneamento do País.