Em maio deste ano, quando boa parte das empresas lidava com o desafio de digerir os efeitos da Covid-19 no curto prazo, um relatório divulgado pelo Credit Suisse destacou que 2020 poderia ser o melhor ano da história da brasileira Marfrig, segunda maior indústria de carne bovina do mundo.

Seis meses depois, a projeção se tornou realidade. No acumulado de janeiro a setembro, a companhia fundada por Marcos Molina já igualou a receita líquida apurada em 2019, de R$ 49 bilhões, até então, a maior da sua trajetória.

As exportações, o câmbio favorável e a aposta em produtos de maior margem, em particular os hambúrgueres, ajudaram a Marfrig a alcançar esse patamar. Outro ingrediente, porém, começa a ganhar espaço no cardápio de receitas da empresa para o futuro: as carnes de base vegetal.

“Esse é um mercado ainda pequeno, mas com um potencial gigantesco”, afirma Miguel Gularte, CEO da Marfrig na América do Sul, em entrevista ao NeoFeed. “E, claramente, o objetivo da Marfrig não é ser apenas mais um nesse espaço.”

A maior prova da Marfrig nesse mercado foi dada com a criação, em maio, de uma joint venture com a americana Archer Daniels Midland (ADM). Batizada de PlantPlus Foods, a operação, na qual a brasileira deterá uma fatia de 70%, recebeu o sinal verde das autoridades há duas semanas.

A produção, a venda e a distribuição da nova empresa ficará a cargo da Marfrig, a partir das suas unidades em Várzea Grande (MT) e em Ohio (EUA). Com instalações em Campo Grande (MS) e nos Estados Unidos, a ADM irá desenvolver os ingredientes de base vegetal. “Temos o combo perfeito para liderar esse segmento”, diz Gularte.

Ele destaca que o acordo une a expertise comercial e de produção da Marfrig, que lidera a categoria de hambúrgueres com um volume anual de 2,4 bilhões de unidades, e a “excelência” em pesquisa e desenvolvimento da ADM. “Isso vai nos permitir criar, dentro de um segmento que é muito artesanal e de baixa escala, uma gigante produtora de hambúrguer vegetal.”

A joint venture é a evolução de uma parceria firmada em agosto de 2019. O primeiro fruto veio um mês depois, com o Rebel Whopper, hambúrguer vegetal criado para o Burger King. Além do Brasil, a oferta já integra o menu das lojas da rede em países como o Uruguai.

O segundo passo foi a criação da Revolution Burger, linha própria da Marfrig, no fim de 2019. Com essa bandeira, em fevereiro, a empresa desenvolveu, em parceria com o Outback, o Aussie Plant Burger, hoje disponível em todas os restaurantes da marca no País.

Além de mais parcerias no food service, a Marfrig entrará no atacado no primeiro trimestre de 2021. Enquanto define a marca a ser adotada em cada canal, a empresa já está exportando para países como Chile, Uruguai, Argentina e China. E, em breve, adicionará os Estados Unidos a esse mapa.

“A América do Norte ainda é uma fatia pequena do mercado global de proteínas alternativas”, diz Tim Klein, CEO da Marfrig na região. “Mas vamos capitalizar as oportunidades, sobretudo no varejo e no food service.”

Para Gularte, os produtos plant based oferecem uma vantagem em termos de exportação quando comparados ao portfólio tradicional da empresa. “Os requisitos de habilitação são muito menos burocráticos”, diz Gularte. “O que permite conquistar mercados de forma muito mais acelerada.”

Miguel Gularte, CEO da Marfrig na América do Sul

Ele aponta as projeções de mercado de uma participação entre 10% e 15% desses produtos no bolo do setor. Mas observa que ainda é difícil estimar o quanto essa vertente pode representar nas receitas da empresa no futuro. “A única certeza que temos é que o potencial é muito alto”, diz.

Menu recheado

Uma série de estudos ilustra essas boas perspectivas. A consultoria americana Markets and Markets prevê que o segmento irá movimentar US$ 27,9 bilhões em 2025. Já o banco suíço UBS projeta um salto dos US$ 4,6 bilhões, em 2018, para US$ 85 bilhões, em 2030.

Essas projeções são alimentadas por questões como as mudanças no comportamento do consumidor e a provável aceleração dessas tendências na Covid-19. Segundo a Nielsen, houve um salto de 264% no consumo desses produtos pelos americanos nas primeiras nove semanas da pandemia.

Não faltam nomes dispostos a abocanhar essas cifras. O sinal mais recente desse apetite foi dado na semana passada pelo McDonald’s. Em reunião com acionistas, os executivos da rede anunciaram que a empresa irá investir em uma linha própria de plant based.

“O McPlant é feito exclusivamente pelo McDonald’s, para o McDonald’s”, disse Ian Borden, CEO internacional da rede. A “carreira solo” surpreendeu o mercado, dado que o segmento é marcado pela associação entre empresas. Até então, o McDonald’s tinha uma parceria com a também americana Beyond Meat.

A Beyond Meat também está avançando com as próprias pernas. Depois de abrir capital em 2019 e ver sua avaliação saltar de US$ 1,5 bilhão para os atuais US$ 8 bilhões, a empresa anunciou em setembro o plano de abrir duas fábricas na China, onde mantém parcerias com redes como KFC, Pizza Hut e Starbucks.

A Starbucks também é parceira da americana Impossible Foods, outra pioneira na área. A empresa já captou US$ 1,4 bilhão em 13 rodadas de investimento, a última delas em março, de US$ 500 milhões. E fechou um acordo nesse ano para vender seus produtos nas 1,7 mil lojas da rede americana de supermercados Kroger.

O banco UBS projeta que o mercado de carnes plant based sairá de uma receita de US$ 4,6 bilhões, em 2018, para US$ 85 bilhões, em 2030

Com atuação em países como Brasil e Argentina, a chilena NotCo também vem ganhando terreno. A empresa já atraiu US$ 118 milhões de investidores como Jeff Bezos, da Amazon, e Biz Stone, cofundador do Twitter, além da Maya Capital, gestora de Lara Lemann, filha de Jorge Paulo Lemann. E firmou parcerias com redes como Carrefour e Burger King.

A cada vez mais extensa lista de concorrentes inclui ainda gigantes como a americana Tyson Foods,; as brasileiras Fazenda do Futuro, BRF, com a linha Sadia Vegetal, e JBS, com marcas como Incrível e Seara Gourmet; Moypark, na Inglaterra, e Ozo, nos Estados Unidos.

“Estamos fazendo um grande esforço nessa linha de produtos vegetais”, disse Gilberto Tomazoni, CEO global da JBS, em entrevista concedida ao NeoFeed, em junho. “Ainda não sabemos o tamanho desse mercado, a base ainda é pequena, mas vamos participar dele.”

Resultados

Enquanto reúne forças para entrar de vez nessa disputa, a Marfrig contabiliza mais um trimestre de fortes indicadores. Entre julho e setembro, a empresa reportou um lucro líquido de R$ 673,6 milhões, alta de 571% sobre igual período, em 2019. A receita líquida cresceu 32%, para R$ 16,8 bilhões.

Responsável por 72% desse resultado, a operação da América do Norte apurou uma receita de US$ 2,23 bilhões. “Em 2021, nosso foco vai ser em hambúrgueres e produtos de valor agregado”, afirma Klein. “O Capex alocado nessas duas frentes vai permitir nos diferenciar do mercado de commodity.”

Já na América do Sul, a receita foi de R$ 4,79 bilhões, com recorde de exportações, que alcançaram uma participação de 62%. O destaque entre os destinos foram a China e Hong Kong, com uma fatia de 51% do total embarcado.

Um dos segredos por trás desses números, a diversidade geográfica, tanto em produção como em destinos, está sendo reforçada. A Marfrig aprovou a construção de uma fábrica de hambúrgueres em Bataguassu (MS), prevista para entrar em operação no segundo semestre de 2021.

Entre julho e setembro, a Marfrig reportou um lucro líquido de R$ 673,6 milhões, alta de 571% sobre igual período, em 2019

A categoria também está no centro da aquisição da Campo del Tesoro, na Argentina, no início de outubro. Além de incorporar a líder de produção de hambúrgueres de carne bovina no país, com o acordo, a empresa responderá pelo fornecimento de 100% desses produtos ao McDonald’s local.

Um mês antes, a Marfrig anunciou uma sociedade com a Associação Paraguaia de Produtores e Exportadores de Carne que prevê aportes de até US$ 100 milhões, em 24 meses, para a implantação de uma unidade produtiva no país, considerado um dos mais atrativos da região, em termos de custos e de produtividade.

“É a peça que nos falta”, afirma Gularte, sobre a flexibilidade que o mapa de produção do grupo fornece para adaptar a operação às circunstâncias do mercado. “Estamos preparados para qualquer cenário. E, mais do que isso, estamos atentos para escolher o melhor cenário.”

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