Em 13 de setembro de 1970, a The New York Times Magazine trouxe, em suas páginas, o ensaio “A responsabilidade social das empresas é aumentar seus lucros”, do influente economista americano Milton Friedman, que levaria o prêmio Nobel seis anos depois.

Friedman, que faleceu em 2006, aos 94 anos, defendia a tese de que as companhias e seus gestores deviam se concentrar unicamente em maximizar o retorno de seus acionistas. O artigo tornou-se um marco e criou um mantra que guiou os passos de boa parte dos CEOs e das empresas que comandavam nas décadas seguintes.

Este domingo marca exatos 50 anos da publicação do “manifesto” que, como prova de seu alcance, segue em pauta. Agora, porém, sob outro viés. Suas palavras estão longe de ser uma unanimidade e são cada vez mais usadas como o exemplo a não ser seguido pelas empresas.

A crescente oposição à tese de Friedman vem sendo alimentada por um movimento de revisão das práticas das empresas, expresso em princípios como o ESG (meio ambiente, social e governança).

Tal cenário passa pela consolidação do capitalismo sob uma nova ótica, mais consciente e socialmente responsável. Nela, as estratégias das companhias incluem não apenas os interesses de seus acionistas. Mas também, de seus funcionários, clientes, fornecedores e das comunidades nas quais estão inseridas.

Essa visão, que já vinha em ascensão, especialmente a partir de 2019, foi fortalecida com a Covid-19. Para muitos defensores dessa nova abordagem, a pandemia expôs questões como a desigualdade social e os danos ao meio-ambiente, que seriam resultado direto das ideias propagadas por Friedman.

Na mesma medida, essa corrente convive com a acusação de ser um mero discurso institucional. Mas o fato é que não faltam exemplos para mostrar como os princípios disseminados pelo economista estão em xeque.

Uma das principais demonstrações veio à tona por meio de uma manifestação do Business Round Table, que reúne 200 das maiores empresas americanas. O grupo, que conta com nomes como JP Morgan, GM, Apple e Bank of America, adotava fielmente o lema do “acionista em primeiro lugar” de Friedman. Mas, em agosto de 2019, divulgou uma nova declaração de propósitos.

O texto discorre sobre a importância de se criar valor para todo o ecossistema no entorno das companhias. As palavras lucro e acionista ainda estão presentes. Mas elas dividem espaço com termos e questões como meio ambiente, diversidade e inclusão.

Em janeiro desse ano, esses mesmos elementos também foram ressaltados no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, com o lançamento de um manifesto, que ressaltou: “O objetivo de uma empresa é envolver todos os seus stakeholders na criação de valor compartilhado e sustentável.”

No Brasil, as empresas também começam a colocar essas ideias em prática. Em agosto, por exemplo, o Itaú Unibanco, o Bradesco e o Santander criaram o Conselho Consultivo Amazônia. A iniciativa busca propor, apoiar e impulsionar projetos para o desenvolvimento sustentável da região.

Além de profissionais de sustentabilidade dos três bancos, a ação conta com a participação de diferentes especialistas renomados. Entre eles, Carlos Nobre, responsável pelo projeto Amazônia 4.0, e Adalberto Veríssimo, pesquisador e cofundador do centro de pesquisa Imazon.

As dez medidas iniciais estabelecidas como norte do Conselho abordam temas como desmatamento; estímulo de cadeias sustentáveis; investimentos em infraestrutura básica, como acesso à energia, internet, moradia e saneamento; e regularização fundiária.

Na sexta-feira, 11 de setembro, outra iniciativa, global, mas com reflexo no País, engrossou esse coro. A B Lab, organização que reúne mais de cem mil empresas e 250 mil funcionários em todo o mundo, lançou o B Movement Builders, justamente com o objetivo de disseminar os preceitos do chamado “capitalismo de stakeholder”.

No Brasil, o primeiro grupo da ação inclui nomes como Gerdau e Magazine Luiza. Essas empresas receberão a mentoria de profissionais da Natura e da Danone North America sobre como incorporar princípios e práticas como transparência e responsabilidade.

Na mesma data, o The New York Times aproveitou a proximidade do aniversário do ensaio de Friedman para publicar uma série de materiais a respeito. Em um deles, o jornal revisitou o texto ao reunir a opinião de 22 entrevistados, entre CEOs, economistas e outros nomes de peso no mercado.

“Não concordei com Friedman na época e as décadas seguintes apenas expuseram a sua miopia”, afirma Marc Benioff, fundador e CEO da Salesforce

O saldo das declarações mostra, claramente, que as ideias de Friedman estão na berlinda. “Não concordei com Friedman na época e as décadas seguintes apenas expuseram a sua miopia”, afirmou Marc Benioff, fundador e CEO da Salesforce, um conhecido crítico das teses propagadas pelo economista.

Benioff entende que a influência do ensaio resultou, na verdade, em uma “lavagem cerebral” e na criação de uma geração de CEOs que acreditava que o “único negócio dos negócios são os negócios”, citando uma frase conhecida de Friedman.

Professor de economia da Universidade de Columbia e Prêmio Nobel em 2001, Joseph Stiglitz segue na mesma linha. “O ensaio de Friedman e seus outros escritos sobre o tema foram, infelizmente, enormemente influentes”, afirma. “É bom que a comunidade empresarial tenha despertado. Agora vamos ver se ela pratica o que prega.”

Quem também deu sua opinião foi Larry Fink, CEO da BlackRock, maior gestora do mundo, com um portfólio de mais de US$ 7 trilhões. Fink é uma das principais vozes no mercado de capitais a defender a bandeira do capitalismo consciente. E tem feito isso, especialmente, em suas famosas cartas anuais direcionadas aos CEOs das empresas investidas da BlackRock.

“As empresas precisam obter sua licença social para operar todos os dias”, diz Fink. “No mundo de hoje, um maior senso de responsabilidade das companhias não vai minar o livre mercado, como sugere Friedman. Na verdade, isso é essencial para preservá-lo e fortalecê-lo.”

O CEO da BlackRock ainda reforça. “Não quero dizer que as empresas devam fazer isso arriscando seus resultados financeiros. Se uma companhia fecha, ela não pode ajudar ninguém”, afirma. “Mas as empresas podem e devem encontrar maneiras de alinhar seu próprio sucesso com o das comunidades onde atuam.”

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