Sem conseguir aprovar todas as reformas estruturantes propostas pelo governo federal, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, resolveu dividir a responsabilidade pela dificuldade de articulação no Congresso e partiu para o ataque contra aqueles que trabalham pela manutenção de benefícios fiscais.

“Não dá para colocar só na conta da política. Eu vejo a atuação dos lobbies em Brasília protegendo seus privilégios”, disse Haddad, durante abertura do CEO Conference Brasil 2025, promovido pelo BTG Pactual. “Tem muito problema em parte do empresariado, que não é moderno, é patrimonialista e vive de lobby e privilégios.”

Para o chefe da Fazenda, teria sido possível zerar o déficit primário no ano passado se a Medida Provisória 1202/2023, que revogava benefícios fiscais e reonerava parcialmente a folha de pagamentos de diversos setores, fosse aprovada na íntegra.

“Parcelaram a reoneração, o fim da Perse [Programa de Retomada do Setor de Eventos] e eu não consegui. As contas estariam equilibradas”, disse Haddad.

O ministro da Fazenda foi enfático ao dizer que a “caixa preta” do governo estava justamente no orçamento e não no BNDES. “É possível questionar se as ações foram boas para o Brasil, mas dizer que algum funcionário agia de forma errada, não. Não era lá e sim no orçamento federal que havia caixa preta”, afirmou. “Do ponto de vista de receita, é menor. Mas sobre renúncia de receita, é um escândalo.”

Por causa disso, na avaliação do ministro, só foi possível entregar no ano passado de 60% a 70% das reformas fiscais previstas. “Não deu para entregar tudo porque muita gente se mexeu, fora do Congresso, para que isso não acontecesse. E esses são os que mais reclamam da falta de ajuste fiscal.”

O titular da Fazenda afirmou que, até o fim de 2025, todos os incentivos fiscais concedidos à iniciativa privada estarão disponíveis para consulta na internet. “Colocamos todos os benefícios dados a cada CNPJ no Brasil. Terminamos 2024 com R$ 200 bilhões mapeados. Isso é muito importante.”

Ainda assim, Haddad fez críticas ao Congresso Nacional que, segundo ele, tem poder demais sobre a receita pública, mas não arca com as responsabilidades em caso de fracasso orçamentário.

“Não é possível ter uma espécie de parlamentarismo em que, se dá errado, quem paga a conta é o presidente. Há um problema de accountability (conceito de prestação de contas). Se é o parlamento que vai dar última palavra, derrubando veto e Medida Provisória, é preciso criar mecanismos de responsabilidade”, afirmou.

Nesse contexto da falta de sintonia do Parlamento, Haddad apontou a aprovação, no fim do governo Bolsonaro, do aumento de repasses para o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), passando de 10% para 23%, até 2026, a participação da União na rubrica orçamentária.

“O governo passado jogou a bomba para o atual pagar. E não dá para mudar isso agora. É importante ter clareza disso”, afirmou o ministro. “Se quisermos chegar novamente ao grau de investimento, é necessário mirar os números certos do orçamento. Não dá para mudar despesas já contratadas.”

Divisão de responsabilidades

Em uma espécie de justificativa prévia, o ministro citou que é necessário definir de forma clara qual é o papel de cada instituição. “É preciso saber quem responde por qual ação. Sem isso, ficamos em uma situação caótica, que prejudica o Executivo, mesmo que ele tenha as melhores intenções”, disse ele. “Mas vejo boa vontade das partes.”

Para este ano, no entanto, Haddad acredita em mais agilidade no andamento das pautas prioritárias do governo, como a regulamentação da inteligência artificial e do projeto que trata do consignado privado. “O Congresso deu o que a democracia permitiu.”

E, segundo ele, a agenda eleitoral de 2026 não deve atrapalhar o andamento das pautas. “Essa agenda é neutra do ponto de vista ideológico. Ninguém terá ganhos eleitorais votando contra ou a favor. É uma agenda institucional.”

O desafio da equipe econômica nessa segunda metade do governo Lula, na avaliação dele, é combater os privilégios para fazer a conta fechar de alguma forma, o que não foi possível até aqui. “O comando que recebo do presidente é para arrumar as contas, sem fazer com que isso recaia na parte mais fraca da sociedade.”

O ministro também afirmou que a situação econômica externa não pode ser desconsiderada, principalmente sobre o ritmo da economia dos Estados Unidos. “É muito ruim não saber o que o Fed vai fazer. Eles já mudaram de ideia muitas vezes.”

Isso, na visão dele, causa uma tensão econômica global. “O mercado hoje está muito mais tenso do que em outros tempos. As pessoas estão com o dedo no gatilho, para se proteger ou especular. E isso passa por um contexto geopolítico mais desafiador. Não é no Brasil, é no mundo.”