Depois de um fim de ano em que tudo conspirava a favor de uma retomada do mercado de capitais, abrindo caminho para se encerrar o hiato de dois anos de IPOs no País, o primeiro semestre de 2024 foi visto como frustrante por Vitor Saraiva, head de equity capital markets (ECM) da XP.
Nos primeiros seis meses do ano, o mercado viu um total de seis follow ons, que somaram R$ 4,9 bilhões, bem abaixo dos R$ 13,5 bilhões registrados no mesmo período de 2023, segundo os dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
Apesar disso, Saraiva diz que o ano não está perdido, pelo menos para follow ons. Puxado pela mega oferta de R$ 14,8 bilhões da Sabesp, e também pela perspectiva de início do corte de juros nos Estados Unidos, o País pode registrar cerca de R$ 50 bilhões em emissões em 2024, acima dos R$ 31 bilhões apurados em 2023.
“A gente acredita que, com o Brasil ficando estável ou marginalmente melhor, e lá fora melhorando, teremos uma reprecificação boa aqui, como parece que aconteceu nos últimos dez dias”, diz Saraiva, ao NeoFeed. “A gente entra no segundo semestre muito melhor.”
A expectativa é de que as operações de follow on também tenham outro perfil. Após muitas companhias se utilizarem do instrumento para ajustar a estrutura de capital, Saraiva entende que as operações deste ano serão voltadas mais para levantar recursos para investimentos.
Já para os IPOs, o tom muda. Para Saraiva, ainda que o cenário esteja melhorando, é preciso que ele se estabilize para se começar a pensar na retomada das aberturas de capital.
“Estamos vendo o aquecimento do interesse, com a perspectiva de melhora do mercado e do cenário macro, mas está um pouco cedo para dizer se tem condições de ter um IPO neste ano ou não”, diz Saraiva.
Acompanhe os principais trechos da entrevista:
Como você avalia o primeiro semestre? Ficou dentro do esperado?
O primeiro semestre ficou aquém do que a gente esperava. No fim do ano passado teve o rali na bolsa, esperávamos entre seis a sete cortes dos juros nos Estados Unidos. No Brasil, o pessoal estava com o viés de que Selic estaria mais para 8,5%. Tudo isso fez a gente esperar um ano razoável de ofertas em 2024, o que não aconteceu. Tivemos diversas revisões lá fora, aqui teve as questões fiscais. Isso resultou em cinco follow ons no primeiro semestre. Mas a gente entra no segundo semestre muito melhor, mas pode ser que mude tudo.
O que te faz acreditar que o segundo semestre será melhor?
A curva já precificou praticamente o corte de juros nos Estados Unidos em setembro, provavelmente com outro corte no fim do ano. No Brasil, houve o sinal do governo na questão das contas públicas, com o contingenciamento de R$ 15 bilhões. A gente acredita que, com o Brasil ficando estável ou marginalmente melhor, e lá fora melhorando, teremos uma reprecificação boa aqui, como parece que aconteceu nos últimos dez dias. O segundo semestre começou muito bem.
Qual era o cenário projetado pela XP? Quantas operações esperavam?
No fim do ano passado, a gente estimava para 2024 uns R$ 50 bilhões em emissões [entre IPOs e follow ons], o que não vai ficar tão fora do que deve acontecer neste ano, dado que teve a oferta da Sabesp. Esperávamos algo em torno de R$ 50 bilhões sem a Sabesp, projeção que se mantém graças à Sabesp, e que é puxada pelos follow ons.
Se falava muito em empresas começando a apresentar pedidos para IPO no segundo trimestre. Esse movimento estava ocorrendo?
Considerando como o mercado estava no fim do ano passado, algumas empresas voltaram a conversar no início deste ano, mirando algo mais para o fim do ano. Só que o mercado virou. Hoje, estamos vendo o aquecimento do interesse, com a perspectiva de melhora do mercado e do cenário macro, mas está um pouco cedo para dizer se tem condições de ter um IPO neste ano ou não.
Veremos IPOs em 2024?
Tempo hábil tem, para caso alguma empresa estruturada, grande, queira se mexer. Mas não vemos nenhuma empresa se organizando para tanto.
No começo do ano, parecia que a coisa poderia ir. A Oceânica anunciou que pretendia realizar um IPO…
No comecinho do ano, a gente achava que poderia ter de fato, se tivesse alguma oportunidade. Se lá fora ocorresse um corte de 100 pontos bases a 150 pontos bases e aqui os juros fossem para 9%, para 8,5%, 8%, estaríamos tendo IPO, mas não aconteceu. As empresas estavam corretas de se preparar, não aconteceu e tiraram o time de campo. Acho que agora vamos começar a ver, ainda de forma muito embrionária, uma retomada [dos processos].
"Não vejo mais ofertas para redução de dívida. Acho que veremos empresas querendo levantar recursos para crescer"
No caso dos follow ons, vimos nos últimos anos operações para ajustar a estrutura de capital de companhias. Esse é o caso das operações que ocorreram e que podem ocorrer no segundo semestre?
Essa questão de estrutura de capital foi a toada dos últimos dois, três anos, de follow on para ajustar a estrutura de capital, pagar dívida. Neste ano não foi esse tipo de oferta que a gente viu. Vimos dois tipos de ofertas. Uma foi para levantar dinheiro primário para a empresa crescer, que não estavam muito alavancadas, como a Boa Safra e a Priner. A segunda foram ofertas secundárias, como Sabesp e ISA Cteep. Não vejo mais ofertas para redução de dívida. Acho que veremos empresas querendo levantar recursos para crescer.
O que precisa acontecer para destravar as operações de IPO, considerando as perspectivas de que a Selic pode ficar em 10,5% neste ano, como indicou o mais recente Relatório Focus?
O IPO precisa de um pouco mais de tempo. O mercado brasileiro de equities está menos dependente dos juros aqui, e mais dos juros nos Estados Unidos. Os juros lá fora estão dando sinais melhores do que os internos, pelo menos em termos relativos. Se cortarem mais rápido lá fora, isso pode acelerar os planos. E as empresas vão começar a reportar os resultados, e o que vemos é que os resultados devem vir bem. E a Bolsa está barata. Se os juros caírem mais rapidamente, podemos abocanhar parte dos recursos globais.
Ao mesmo tempo, o fato de a Bolsa estar barata, com múltiplos comprimidos, acaba afastando quem poderia se interessar em realizar IPO…
Por isso entendo que não faz sentido ter IPO no curto prazo. Para a Bolsa voltar ao patamar que estava no mesmo período do ano passado, ela teria que andar uns 7%, 8%. A Bolsa ainda tem um caminho para andar, para ficar atrativa aos empresários. Por isso acho que pode acontecer IPO no fim do ano, na janela de dezembro. Mas seria exceção, o volume ficará concentrado nos follow ons.
Muito se dizia que a janela de IPOs deve ser aberta por grandes companhias, com fluxo de caixa previsíveis, com muitos analistas apostando em infraestrutura. É isso mesmo?
Para mim é muito claro que vão ser IPOs grandes, de empresas que têm condições de fazer uma oferta de pelo menos R$ 2 bilhões, que sejam conhecidas no mercado, que eventualmente já tentaram de IPOs e que sejam líderes dos setores. Pensando que o Brasil é um país fragmentado para muitos setores, ou que não tem grandes empresas, o setor de infraestrutura, o que inclui saneamento, energia, concessões de modo geral, acaba tendo mais empresas com essas características e são essas empresas que devem abrir o mercado.
No caso dos follow ons de Sabesp e ISA Cteep, as operações foram bem-sucedidas porque estão ligadas a esses setores?
Um grande fator que contribuiu foi o fato de que foram ofertas que souberam se comunicar muito bem com os investidores. Teve roadshow, trouxe bastante gente para a base acionária e teve uma semana de fluxo internacional muito boa. Consequentemente teve uma participação razoável, ainda que predominantemente de investidores locais, teve uma boa participação de investidores internacionais. E foram ofertas grandes, o que é um ponto importante, e com empresas em bom momento operacional.