Em fevereiro deste ano, a empresa de telefonia TIM anunciou um programa de recompra de ações estimado em R$ 1 bilhão. Na semana passada, a mineradora Vale informou ao mercado que pode tirar quase R$ 7 bilhões em ações do mercado. E a varejista Renner, R$ 1 bilhão.

Esses são os mais recentes exemplos de uma onda que, em meio ao marasmo da renda variável, movimentou a bolsa nos últimos meses. O Itaú BBA fez as contas e chegou a números impressionantes. Há 127 programas de recompras de ações abertos de 108 companhias, um volume de R$ 72,3 bilhões, quase a totalidade disso anunciado nos últimos 12 meses. Só em 2025, 11 programas foram aprovados.

Somado a isso, muitas empresas estão fechando o capital e deixando a bolsa de valores brasileira. De 2018 a 2024 foram 39 ofertas públicas de aquisição de ações (OPAs). Em 2013, ocorreram 13 fechamentos de capital, o maior patamar do período. No ano passado, foram nove OPAs.

E a lista não para de crescer. Na fila para fechar o capital estão Kora Saúde, Eletromídia, ClearSale, Carrefour Brasil, Wilson Sons e Santos Brasil. A Serena é também uma empresa que pode ir para esse caminho.

Diante desse cenário, os gestores estão se perguntando: quando o mercado voltar, vai haver ações para comprar? A tese foi lançada por Christian Keleti, sócio e fundador da gestora AlphaKey, e está ganhando cada vez mais adeptos na Faria Lima. “É matemático e pode ser uma oportunidade para a bolsa mudar de patamar quando o mercado virar”, diz Keleti, ao NeoFeed.

Uma coisa não há dúvida: o mercado de ações brasileiro, que não tem uma abertura de capital desde a dupla listagem do Nubank, em dezembro de 2021, está “secando”.

De acordo com dados compilados pela consultoria financeira Elos Ayta a pedido do NeoFeed, o volume financeiro da bolsa vem caindo desde 2021, quando atingiu o pico de R$ 35,16 bilhões em média por dia, em valor ajustado pelo IPCA.

Esse indicador caiu para R$ 28,29 bilhões em 2022. No ano seguinte foi para R$ 22,07 bilhões. Em 2024, bateu em R$ 19,35 bilhões e, neste início de 2025, o volume médio está em R$ 17,57 bilhões.

“O volume financeiro vem caindo muito fortemente, embora o preço esteja subindo. Tem poucos players fazendo o mercado e isso não é legal. O ideal seria que o Ibovespa tivesse uma valorização significativa, mas alavancada por um grande volume financeiro”, diz Einar Rivero, sócio-fundador da Elos Ayta Consultoria.

“As coisas estão indo na contramão. O mercado subir com volumes baixos é perigoso porque são poucos players transacionando e levantando preço. Isso pode trazer uma insegurança com relação à realidade da pontuação do índice”, complementa.

A AlphaKey resolveu fazer também as contas sobre a variação do free float (o universo de ações que não estão em posse dos controladores) nos últimos três anos e chegou à conclusão de que ele caiu 13% desde janeiro de 2022, passando de R$ 1,96 trilhão para R$ 1,7 trilhão – R$ 260 bilhões a menos para comprar.

O free float caiu 13% desde janeiro de 2022, passando de R$ 1,96 trilhão para R$ 1,7 trilhão

“Essa queda se dá pela combinação de redução no preço, dividendos pagos e recompras”, afirma Keleti. “Em nossas estimativas, somente as recompras enxugaram algo como R$ 60 bilhões do float neste período.”

De acordo com o fundador da AlphaKey, olhando os dados da B3, fica evidente que as pessoas físicas e jurídicas foram os compradores finais dos últimos anos por conta das vendas massivas de institucionais locais e estrangeiros.

“Temos menos free float para negociar ações. Por isso que, no mês de janeiro, entra comprador e já puxa a bolsa para cima. O estrangeiro comprou pouquinho, os fundos se posicionaram um pouco, mas nada absurdo”, diz Marco Saravalle, sócio e CIO da MSX Invest.

Faroeste acionário

Em paralelo à queda do volume financeiro está a baixa volatilidade da bolsa de valores, que está no piso histórico. Esse comportamento tem duas explicações.

A primeira é a saída dos estrangeiros da bolsa e a aversão dos fundos locais ao mercado de ações. A segunda é que, no ambiente atual de juros altos, há poucas operações long e short de ações, que ajudam nessa movimentação diária.

Um exemplo é a ação preferencial da Petrobras, que sempre negociou mais de R$ 1 bilhão por dia. Em fevereiro deste ano, o papel PETR4, que está sendo negociado na casa de R$ 38,36, tem um volume financeiro médio diário de R$ 966 milhões. Um volume financeiro parecido, de R$ 972 milhões, aconteceu em julho de 2017, quando a ação estava perto de R$ 5.

Por outro lado, em outubro de 2022, quando o volume financeiro médio diário da Petrobras atingiu R$ 3,71 bilhões, o preço da ação estava em torno de R$ 15. “A volatilidade do Ibovespa nos menores níveis da história juntamente com o baixo volume dá a imagem perfeita do que está acontecendo no mercado brasileiro”, diz Rivero.

E isso ajuda a criar outras distorções. “Cenário de baixa liquidez é o de faroeste. Tem puxada de papéis ilíquidos de gestores que querem salvar suas cotas, movimentos atípicos, manipulação de mercado, até de coisas que a CVM deveria ir atrás e não vai. Você num papel como esse pode se beneficiar ou sofrer muito se acontecer o inverso. Baixa liquidez é ruim para todo mundo, até para os malandros”, diz um gestor, que pediu para não ser identificado.

Outro gestor, que tem mais de R$ 20 bilhões de recursos sob gestão, diz que a tese de que vai faltar papel para comprar é “a cereja do bolo, mas não pode ser confundida com o bolo todo.” De acordo com essa fonte, se o Brasil melhorar, por qualquer razão, esse aspecto, de poucas ações para comprar, vai potencializar a alta.

“Mas se a bolsa subir, as empresas que estão recomprando vão voltar a emitir ações, vão acontecer follow-ons e novas emissões que vão suprir essa falta de papel”, afirma esse gestor.

Poucas empresas, valuations baixos

Não são apenas as recompras de ações e os fechamentos de capital que estão deixando a bolsa brasileira cada vez mais seca. A AlphaKey resolveu fazer um filtro sobre o tamanho das empresas listadas na B3 em valor de mercado.

Os resultados, mais uma vez, mostram um cenário preocupante. Em janeiro de 2022, havia 254 empresas (o critério foi número de companhias e não de classes de ações) com valor acima de R$ 300 milhões. Hoje, são 218.

Desse universo, 42% empresas valem menos de R$ 2 bilhões (91 companhias). Outras 18% estão entre R$ 2 bilhões e R$ 5 bilhões. De acordo com os dados da AlphaKey, quase 75% das empresas estão abaixo de R$ 10 bilhões em valor de mercado.

“Em 2024, a Índia teve mais IPOs (334) do que todas as empresas listadas no Brasil. E a Polônia conta atualmente com mais de 400 companhias na bolsa de Varsóvia”, afirma Keleti.

Em janeiro de 2022, havia 254 empresas com valor acima de R$ 300 milhões. Hoje, são 218

A combinação de empresas de baixo valor de mercado sendo negociadas a múltiplos comprimidos tem feito outros atores, que negociam no mercado privado, a entrar em transações com companhias abertas, muitas vezes para fechar o capital.

São os casos dos fundos de private equity e compradores estratégicos. Nos últimos meses, várias transações deste tipo aconteceram. A Evertec, por exemplo, comprou a Sinqia. A Warburg Pincus, a Alper Seguros. A Equifax ficou com a BoaVista. A Experian com a ClearSale. A Globo com a Eletromídia. E o Ultra entrou na Hidrovias.

“Por que olhar um business privado se os valores na bolsa estão descontados? Há muitas oportunidades na bolsa”, afirma Gustavo Heilberg, sócio da gestora de ações HIX Capital.

Por conta desse cenário, qualquer notícia, por mínima que seja, que aponte para uma mudança de cenário é capaz de gerar uma onda de otimismo que puxa as cotações para cima.

A mais recente delas é a queda de popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o mais baixo patamar de todos os seus três mandados, segundo pesquisa do instituto DataFolha – apenas 24% aprovam o atual governo, contra 41% que desaprovam.

Em janeiro, o Ibovespa, principal índice da B3, registrou 4,86% de valorização. Foi o melhor mês do mercado acionário desde agosto do ano passado, quando o indicador teve alta de 6,54% e bateu seu recorde nominal de pontuação, aos 137.343 pontos. Em 2024, foram oito meses de índice negativo. Neste ano, até sexta-feira, 21 de fevereiro, o Ibovespa acumula 5,83% de alta, aos 127.128 pontos (mas em 12 meses o indicador cai 2,4%).

Segundo Keleti, da AlphaKey, na Argentina, mesmo sem nenhum sinal de um governo reformista, as mínimas dos mercados se deram um ano e meio antes do pleito presidencial, muito antes de qualquer possibilidade de alguém como Javier Milei subir ao poder, simplesmente pela reponderação da probabilidade da não-continuidade do Kirschnerismo.

A questão é se o “efeito Orloff”, referência a uma frase de comercial de vodka que ficou popular nos anos 1980 (“Eu sou você... amanhã”), vai acontecer no Brasil. Se o mercado virar, uma coisa parece certa: um rally que vai elevar rapidamente os papéis porque vai faltar ações para comprar.

E a B3?

Como fica a B3 com o mercado de ações “secando” no Brasil? Esse é um tema na qual o presidente da empresa, Gilson Finkelsztain, tem sido constantemente questionado por investidores. E a resposta está na ponta da língua: a estratégia de diversificação que a companhia tem empreendido nos últimos anos tem dado resultados.

“Temos uma diversificação que protege a nossa receita”, afirmou Finkelsztain, em dezembro do ano passado, durante o B3 Day, acrescendo que a renda variável já representa menos de 20% do faturamento da B3. “O potencial de crescimento da companhia está protegido.”

Os resultados do quarto trimestre de 2024, divulgados na semana passada, ajudam a ilustrar isso. A receita líquida total atingiu R$ 2,7 bilhões, alta de 7% em relação ao mesmo período do ano passado.

Destaque para os derivativos listados, cujo volume médio diário negociado totalizou 6,1 milhões de contratos. As emissões de renda fixa cresceram 13,8% e o estoque avançou 23,9% - principalmente as dívidas corporativas. Também vale citar o crescimento de ETFs (39,1%), BDRs (91,5%) e fundos listados (43,1%).

De acordo com relatórios do Goldman Sachs e do Itaú BBA, os resultados da B3 vieram em linha com expectativa do mercado. Ambos mantiveram o rating de “compra” para a B3 dado o desconto que vem sendo negociada em relação ao seus pares globais (10,5 vezes o preço/lucro para 2026). Em 2025, as ações sobem 10%.

Em tempo: até a B3 entrou na onda de recompra de ações. No ano passado, recomprou 340 milhões de ações, aproximadamente 6% de seu capital social. E aprovou outro programa para comprar até 380 milhões de ações ordinárias, além de entrar em novos contratos derivativos relacionados às suas próprias ações (swap de ações). Com isso, a empresa pode recomprar um total de aproximadamente 7,2% de seu free float se o programa for totalmente implementado.