O investidor Pedro Sorrentino, managing partner da Atman Capital, uma gestora de venture capital fundada por ele nos Estados Unidos, lembra da época em que os mecanismos de buscas estavam no começo e as duas empresas mais quentes eram o Cadê, no Brasil, e o Altavista, nos Estados Unidos.

Hoje, poucos se recordam do Cadê e do Altavista. O Google surgiu logo depois. E o resto é história. Para Sorrentino, que também foi um dos fundadores da ONEVC, uma das primeiras investidoras do Rappi, a indústria da inteligência artificial está exatamente neste momento.

“Tem uma chance real da OpenAI ser a próxima Altavista. Ninguém ainda é o próximo Google porque a evolução e a obsolescência dos modelos está acontecendo numa velocidade tamanha que não existe um ou dois modelos soberanos”, diz Sorrentino, em entrevista, ao NeoFeed.

Ao mesmo tempo, a Atman, uma gestora que investe em startups early stage em rodadas seed e pré-seed, desenvolveu um modelo de negócios que busca saídas mais rápidas e não fica esperando a startup se tornar um unicórnio – algo cada vez mais raro hoje em dia.

“Hoje em dia, ela (a cultura do unicórnio) é uma cultura burra. Ela faz sentido e vale. Mas não estou colocando o meu modelo de negócio para fazer dinheiro nela. Não posso depender disso para fazer dinheiro para os meus investidores. É muito perigoso”, afirma Sorrentino, que vai participar do South Summit, evento do qual o NeoFeed é parceiro de mídia.

Pedro Sorrentino, managin partner da Atman Capital
Pedro Sorrentino, managin partner da Atman Capital

Nesta entrevista, que você lê a seguir, Sorrentino fala sobre a tese de inteligência artificial, analisa os empreendedores brasileiros e diz que vai reabrir seu primeiro fundo para tentar captar mais US$ 15 milhões.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Qual é a tese da Atman?
Levantei até o momento US$ 15 milhões. E aí parei de captar e fui investir. A gente faz cheque de US$ 300 mil a US$ 500 mil em rodadas pré-seed e seed. Gosto de empresas de inteligência artificial, longevidade e fintech. Vou reabrir o fundo na segunda metade deste ano e pretendo captar mais US$ 15 milhões. O business de investimento em early stage é aquele em que você tem uma opinião com relação ao futuro a valor presente e se você está certo antes dos outros você vai ser pago por isso.

A sua tese é investir em startups dos Estados Unidos?
Sim, é mais foco nos Estados Unidos. Mas acabo investindo em empreendedores brasileiros e que estão empreendendo aqui.

E como você escolhe os empreendedores?
Uma primeira reunião comigo é diferente de um venture capital normal. Quero saber como o empreendedor cresceu? Que tipo de férias saía com sua família? Como era sua relação com o dinheiro? E sua própria autoestima? Essas coisas são superimportantes. Eu, por exemplo, não invisto em founder ateu. Tem de ter um Deus, não interessa qual. Não invisto também em ninguém de esquerda. Não precisa ser de direta. Mas não dá para apoiar qualquer coisa que seja antiprogresso e capitalista.

"Eu, por exemplo, não invisto em founder ateu. Tem de ter um Deus, não interessa qual"

A inteligência artificial é a grande tese dos VCs nos EUA?
Sem dúvida. O mercado está tão quente (de IA) que fiz um investimento na Hyperplane, que é um LLM para produtos financeiros. E em dois anos e meio, o Nubank comprou a empresa por mais de meio bilhão de reais.

No seu caso, que investe em early stage, quais são as teses interessantes para investir?
Imagina que boa parte da estrutura está feita e estabilizada. Vai desde o nível de produção de energia até a formação de data centers com os chips da Nvidia que vão fazer os treinamento dos modelos principais modelos de LLMs.

Essa briga de LLMs não precisa de bilhões de dólares para investir?
Tudo bem, porque existe dinheiro suficiente para financiar isso. Quem é mais velho deve lembrar: a gente usava o Cadê e o Altavista (dois buscadores que surgiram antes do Google). Não tinha o Google ainda. A gente está nessa época. Tem uma chance real da OpenAI ser a próxima Altavista. Ninguém ainda é o próximo Google porque a evolução e a obsolescência dos modelos está acontecendo numa velocidade tamanha que não existe um ou dois modelos soberanos. Isso é muito positivo para o ecossistema de investimento early stage no nível de aplicação. Estruturalmente falando, investir em LLMs companies é um risco mais alto. A Hyperplane era uma empresa LLM. Mas foi um investimento de três anos atrás – e três anos nessa área é o equivalente a mil anos.

"Ninguém ainda é o próximo Google porque a evolução e a obsolescência dos modelos está acontecendo numa velocidade tamanha que não existe um ou dois modelos soberanos"

E no que focar?
Focar em software de qualidade que resolve problemas específicos de indústrias grandes que precisam ser transformadas. Esse é o caminho correto para vender para grandes enterprises que vão fazer o empowerment.

Como fazer dinheiro nessa área?
Encontrando os empreendedores corretos, que tem um alinhamento em construir o que é o company building certo hoje em dia. Você monta o seu business, levanta US$ 1 milhão e executa em 12 meses. Aí capta mais US$ 5 milhões em um seed. E depois US$ 15 milhões ou US$ 20 milhões num series A já com product market fit e é lucrativo. Aí, você pega essa companhia e vende por US$ 200 milhões. Isso é muito mais interessante do que essa ideia de que tem de valer um bilhão de dólares.

Por quê?
Porque depois de mais de uma década fazendo isso, todas as vezes que fiz dinheiro foi em secundárias, porque o bilhão não chega. Pergunta se os LPs (limited partners) dos fundos de VCs estão felizes? Não estão. Não tem exit.

Você está querendo dizer que a cultura do unicórnio não dá certo?
Hoje em dia, ela [a cultura do unicórnio] é uma cultura burra. Ela faz sentido e vale. Mas não estou colocando o meu modelo de negócio para fazer dinheiro nela. Não posso depender disso para fazer dinheiro para os meus investidores. É muito perigoso. Se você tiver uma situação de uma empresa que segue essa história que te falei e chega a um momento que vale uns US$ 300 milhões e os founders resolvem fazer uma series B e ir para “as cabeças”, eu acho justo. Mas você no dia 1 partir do pressuposto que a companhia vai valer bilhões não tem muito jogo no meio do caminho.

"Ela [a cultura do unicórnio] é uma cultura burra. Ela faz sentido e vale. Mas não estou colocando o meu modelo de negócio para fazer dinheiro nela"

Mas isso não seria por conta do perfil do seu fundo, que é muito early stage?
Com certeza. Mas acredito que se você fosse um LP em todos os fundos da Andreessen Horowitz, o único que bateu o S&P 500 foi o Andreessen Horowitz 1. E só bateu porque teve um deal de private equity que foi a compra do Skype. Estou te dando uma perspectiva. Não é que não acredito nos unicórnios. A gente quer e vai investir. A gente busca os unicórnios. Mas para você de fato fazer dinheiro, o caminho não pode depender só disso.

Mas se você encontrar um unicórnio, ele não pagaria o fundo todo?
Deixa te dar um exemplo. O Google comprou a Wiz por US$ 32 bilhões. A Insight Partners, tinha 9% da empresa, retornou US$ 2,7 bilhões em um fundo de US$ 9 bilhões. Esse é o maior M&A da história de software de tecnologia. E o cara que tem quase 10% não retorna nem um terço do fundo. Tem alguma coisa errada. Existem idiossincrasias na classe de ativos (de venture capital) que, para mim, como empreendedor desse mercado, não fazem sentido. Agora, quem fez o seed da Wiz deve ter retornado umas 40 vezes o fundo.

Existem oportunidades para investir em IA no Brasil?
Com certeza. Mas o difícil é encontrar as oportunidades do Brasil que conseguem quebrar a arrebentação. Precisa ter muitos fatores conjuntos dando certo ao mesmo tempo para fazer a tríplice coroa que é Nubank, iFood e Mercado Livre, que são três exemplos de líderes globais em suas respectivas categorias. A oportunidade no Brasil tem de estar amarrada com pessoas que têm noção do que é um padrão de qualidade world class. Num mundo de alavancagem infinita, que é o mundo que estamos vivendo por conta da inteligência artificial, duas coisas vão importar muito mais: uma é distribuição e a outra é a qualidade.

Você está em São Francisco, no Vale do Silício, o quanto o Brasil está atrasado na área de inteligência artificial?
Acredito que não tem mais esse atraso. O último ciclo que teve essa arbitragem de diferença de informação e tempo foi a época do GroupOn e Peixe Urbano (duas empresas da onda das compras coletivas).

Era muito copycat nessa época?
Sim, mas demorava um tempo [para fazer a cópia]. Depois foi reduzindo para seis meses. E, hoje, não acho que essa diferença existe mais. Existe uma quantidade muito grande de bons empreendedores no Brasil. E hoje o mundo está 100% conectado. A velocidade e transmissão de informação está em outro nível.