“Todas querem comer o nosso almoço.” A frase dita em 2014 por Jamie Dimon, CEO do JP Morgan, em um documento enviado a acionistas do banco, referindo-se às fintechs, é simbólica. Essas seis palavras traduziram, em boa medida, o tom nada amistoso adotado entre essas duas pontas nos anos seguintes.

Com ofertas menos burocráticas, as startups financeiras atraíram clientes e alimentaram a fama de potencial ameaça aos bancos. Esses, por sua vez, deixaram claro suas reservas, destacando que as fintechs não estavam sujeitas às amarras regulatórias que eles enfrentavam em suas operações.

No mundo, e também no Brasil, o saldo dessa relação foi cercado por polêmicas e reações contundentes de parte a parte. Nos últimos anos, no entanto, os dois lados vêm baixando a guarda. E agora, ao que tudo indica, os tempos de animosidade estão ficando para trás.

“Fintechs e bancos seguem sendo animais diferentes, mas há uma tendência muito forte de convergência”, disse Cândido Bracher, CEO do Itaú Unibanco, em debate promovido pelo Santander na sexta-feira, 21 de agosto. “Há uma possibilidade de associação em diversos campos que trará ganhos para todos, principalmente os clientes.”

Octavio de Lazari Jr., presidente do Bradesco, reforçou o posicionamento do colega. “Temos que esquecer esse antagonismo e trabalhar próximos”, afirmou. Ele ressaltou fatores como a rapidez e a tecnologia de vanguarda das fintechs e o conhecimento e volume de clientes dos bancos. “Se unirmos forças, cada um na sua especialidade, vamos ser mais ágeis para fazer aquilo que importa.”

Com o open banking no horizonte, o discurso encontra eco no lado das fintechs. Para Fernando Miranda, CEO da Easynvest, plataforma de investimentos, essa relação já passou por duas fases. Na primeira, iniciada há seis anos, os dois lados se subestimaram. Na sequência, veio o estágio em que cada um reconheceu o valor do oponente.

“Estamos entrando em uma nova etapa, com parcerias, e onde teremos, realmente, um ganha-ganha”, disse Miranda. “Daqui a cinco, dez anos, não vamos mais falar de fintech ou bantech, mas de uma coisa só, o mercado financeiro digital.”

“Fintechs e bancos seguem sendo animais diferentes, mas há uma tendência muito forte de convergência”, disse Cândido Bracher, CEO do Itaú Unibanco

Essa opinião é compartilhada por Sergio Furio, fundador e CEO da Creditas, da área de empréstimos com garantias. “Estamos caminhando para um cenário de colaboração e de competição”, afirmou ele, que faz uma distinção no campo amplo de fintechs entre aquelas que podem ser incorporadas ao ecossistema de uma grande instituição e as que, de fato, desafiam os bancos.

Aproximação

A Creditas é um exemplo de como essa aproximação entre esses dois mundos começou a acontecer na prática. A startup, que já captou R$ 1,2 bilhão em sete rodadas, tem entre seus investidores o Santander InnoVentures, braço global de investimentos de venture capital do Santander.

Criado em 2014, o Santander InnoVentures já investiu em 45 startups em todo o mundo. No Brasil, além da Creditas, o veículo liderou um aporte de US$ 5 milhões na a55, fintech de crédito para pequenas e médias empresas, em maio deste ano.

Quem também tem apostado no estabelecimento desse diálogo é o Bradesco. Desde 2018, o banco mantém o InovaBra, hub de inovação que abriga startups de diferentes setores, repetindo um movimento realizado pelo Itaú Unibanco, em 2015, com a criação do Cubo.

Com a mesma abordagem, não restrita ao setor financeiro, o Bradesco criou um braço de investimentos, batizado de InovaBra Ventures, que já participou de rodadas em novatas como Semantix, Direct One e Agrosmart.

As estratégias não estão restritas aos grandes bancos privados. No início do mês, o Banco do Brasil, que também já mantinha espaços de interação com startups, lançou um programa de investimentos focado nessas empresas.

Com R$ 100 milhões previstos em sua primeira tranche, que serão aportados nesse trimestre, o banco irá investir por meio de outras gestoras e fundos, com participações minoritárias. No radar, estão fintechs, insurtechs, agritechs, govtechs e startups na área de segurança.

“Nós entendemos que esses investimentos e esse intercâmbio podem trazer ganhos para ambos os lados”, disse Paula Sayão, diretora de negócios digitais do Banco do Brasil, em entrevista ao NeoFeed. “E a estratégia complementa as parcerias que temos feito com essas empresas.”

Entre outros acordos, o Banco do Brasil fechou uma parceria no início desse ano com a Bom Pra Crédito, para desenvolver um piloto de empréstimo pessoal e ampliar a oferta de produtos financeiros contratados diretamente pela internet.

Octavio de Lazari Jr., presidente do Bradesco

Uma pesquisa da PwC mostra essa proximidade sob a perspectiva das fintechs. De acordo com o estudo, 35% delas já têm parcerias com bancos; 28% das participantes veem os bancos como parceiros futuros; outras 20% enxergam como possíveis compradores estratégicos; e 18% como competidores.

Sob a ótica dos bancos, essa conversa tem sido dirigida, em parte, por uma questão: a necessidade de incorporar a cultura propagada pelas startups. “Nosso maior desafio de inovação é a mudança de mentalidade”, disse Lazari Jr. “Antes, qualquer empresa estava no centro do universo e os clientes em volta. Agora, o cliente é o dono da bola e a companhia que não entender isso vai ficar pelo caminho.”

Fruto dessa mudança de perspectiva, essa abordagem já vem se refletindo em novidades na ponta das ofertas aos clientes. No caso do Bradesco, um dos exemplos é o Next, banco digital lançado no fim de 2017.

O Next encerrou o primeiro semestre de 2020 com 2,7 milhões de contas, sendo que 76% dessa base é formada por clientes que não são correntistas do Bradesco. Até o fim do ano, a projeção é chegar a uma carteira de 3,5 milhões de contas no banco digital.

O portfólio do Itaú Unibanco também já reflete essas mudanças. Um exemplo é a iti, plataforma de pagamentos instantâneos que oferece serviços gratuitos ou mais baratos que a oferta tradicional do banco e que foi lançada como um piloto, em maio de 2019, e estendida, posteriormente, a todo o mercado em outubro do mesmo ano.

Para Bracher, do Itaú Unibanco, o desafio dos bancos nesse novo cenário é maior que o das fintechs. “Elas servem apenas quem já tem habilidade de usar sistemas digitais”, afirmou. “Mas, em contrapartida, a maioria é especializada em um único produto.”

O executivo apontou, na mesma moeda, os prós e contras dos grandes bancos. “Nós somos one stop shop, mas lidamos com o físico e o digital, com um público diverso e com a complexidade dos sistemas legados”, disse Bracher. “Estou convencido, porém, que o prêmio de digitalizar tudo isso também é maior.”

Apesar do tom mais cordial adotado entre as duas partes, Lazari Jr. fez questão de ressaltar a capacidade dos bancos de se adaptarem à nova realidade, algo que, segundo ele, foi colocado em dúvida por diversas vezes nos últimos anos.

“Talvez porque não tenhamos o charme de uma fintech. Parece que somos uma indústria da economia velha”, disse. “Mas o fato é que os bancos brasileiros já provaram milhões de vezes que são capazes de se reinventar a todo momento. E a pandemia é o exemplo mais recente disso.”

Novos rivais

Se a relação entre bancos e fintechs caminha para ser mais amigável, a competição nesse espaço promete não ficar restrita a esses dois elos. Nessa disputa, uma frente de concorrentes, não tão nova, envolve os varejistas, que cada vez mais investem em carteiras digitais e afins.

“No Brasil, os varejistas sempre ganharam mais dinheiro com suas financeiras do que com o próprio varejo”, disse Furio, da Creditas. “É uma evolução natural levar isso para o digital. O problema é que o serviço financeiro pode virar commodity muito rápido.”

“Não acreditamos no banco digital isolado. No fim das contas, temos que dominar o ecossistema não financeiro também”, afirmou João Menin, CEO do Banco Inter

João Vitor Menin, CEO do Banco Inter, ressaltou um caminho que a empresa vem adotando para se posicionar nesse novo cenário. “Não acreditamos no banco digital isolado”, afirmou. “No fim das contas, temos que dominar o ecossistema não financeiro também.”

O Banco Inter começou a deixar mais claro essa estratégia há cerca de um ano. Na prática, a companhia tem reforçado sua aposta no modelo de superaplicativo, mesclando serviços e produtos financeiros com ofertas ligadas a outros segmentos.

Além de citar empresas como Alibaba e Tencent como referências, Menin destaca outra inspiração. “A Apple tem um ecossistema que não é necessariamente o melhor”, afirmou. “Mas cria uma comodidade que acaba deixando o cliente mais fechado, imerso nesse ambiente.”

A menção a Apple não surgiu por acaso. As chamadas big tech começam a ganhar destaque nesse novo contexto de concorrência. A chegada dessas empresas é vista, claro, com atenção. Mas há obstáculos para que elas consolidem seu poder de fogo e escala também nesse segmento.

“É óbvio que temos o que temer. Mas não é tão trivial chegar em centenas de países do mundo, cada um com sua regulação”, disse Menin. “Não é nada simples. E não sei até onde elas estão, de fato, dispostas a seguirem sozinhas nesse caminho mais complexo.”

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