BizCapital, Grão, Vindi, a55, Mobills, Levee, NetLex e Tail. Essas oito startups não são nomes conhecidos do grande público e não atingiram avaliações bilionárias – aliás, muitas nem levantaram capital e outras estão em suas primeiras fases de captação.
Sob qualquer ótica, esse grupo de empresas não atrairia o interesse de grandes bancos de investimentos, interessados em companhias de maior porte, capazes de movimentar grandes somas em fusões e aquisições ou em aberturas de capital e ofertas subsequentes de ações.
Mas essas oito startups estavam nos escritórios do BTG Pactual, na semana passada. O grupo participava do DemoDay, evento de encerramento do quarto Batch do boostLAB, do BTG Pactual, um programa de potencialização e de mentoria de startups que está completando dois anos e que já contou com a participação de 28 empresas em todas as suas quatro fases.
“Esse programa tem sido maravilhoso para a gente não ficar velho e não ficar acomodado”, disse Roberto Sallouti, CEO do BTG Pactual. “A grande maioria das startups está crescendo e continuando o relacionamento com a gente. Fizemos do boostLAB a nossa interação com o mundo de venture capital, de fintechs e de inovação.”
O boostLAB é apenas a ponta do iceberg e a estratégia mais visível que indica que o BTG Pactual quer se aproximar dessas empresas iniciantes que ficam de fora do radar da maioria dos bancos de investimentos. Mas debaixo da superfície há uma série de iniciativas cujo objetivo é transformá-lo no bancos das startups.
Além do boostLAB, o BTG Pactual está investindo em algumas das startups que participam de seu programa (até agora foram cinco aportes das 28 empresas selecionadas), criou uma área de venture debt para oferecer crédito às empresas iniciantes e está estruturando um fundo dos fundos, com objetivo de captar R$ 300 milhões para alocar recursos em gestoras globais e da América Latina de venture capital.
A estratégia do BTG Pactual é bem simples. Ao se aproximar bem no começo dessas startups e oferecer serviços como câmbio e crédito a elas, ele espera ajudá-las a crescer e estar presente em fases mais avançadas, quando forem captar mais capital, vender participações ou o controle em processos de fusões e aquisições ou até mesmo (por que, não?) abrir o capital.
“Eu quero ser o Silicon Valley Bank no Brasil”, afirma Frederico Pompeu, sócio do BTG Pactual e head do boostLAB, referindo-se ao banco americano reconhecido por estar por trás das principais startups dos Estados Unidos e que diz ter como clientes 50% de todas as empresas iniciantes americanas baseadas em tecnologia ou em ciência da vida financiadas com capital de risco.
Potencialização
O boostLAB é um exemplo desse novo posicionamento do BTG Pactual. O objetivo é escolher startups maduras, que vão poder potencializar seus negócios com o apoio do banco de investimento. “O programa tinha de ser absolutamente pró-empreendedores e precisava ser extremamente amigável”, afirma Pedro Waengertner, sócio da Ace, a aceleradora que está por trás do programa. “Outro objetivo era trabalhar com as melhores startups do País.”
Ao longo de suas quatro fases, a boostLAB já selecionou 28 empresas – a quinta edição já está com as inscrições abertas. E uma parte considerável delas são startups que já contam com um produto no mercado e uma base de clientes. As empresas citadas no início dessa reportagem, por exemplo, tinham um faturamento conjunto de R$ 70 milhões, 400 funcionários e seus produtos e serviços atingiam quase 100 mil usuários.
Observe o exemplo da Omie, uma startup que desenvolveu um sistema de gestão completo que roda na nuvem. Em abril deste ano, a empresa recebeu R$ 80 milhões de um aporte liderado pelo Riverwood Capital. Era o segundo aporte na empresa, que já havia recebido recursos da Astella Investimentos em outras rodadas.
A Omie é uma startup que já conta com 30 mil clientes que movimentam, mensalmente, R$ 6,3 bilhões na sua plataforma de gestão online. E, mesmo assim, a companhia resolveu tentar a sorte no processo de seleção do boostLAB (ela foi selecionada na segunda edição do programa). Marcelo Lombardo, fundador e CEO da Omie, explica os motivos.
“Acredito que um dos pontos fortes do boostLAB seja a rede de network que a startup terá acesso. Desde executivos top do banco até uma rede de investidores, clientes e parceiros que impressionam. E diferente de outros programas de corporate venture, não há obrigações de investimento ou de equity”, diz Lombardo.
As empresas selecionadas ganham uma série de vantagens. As financeiras incluem créditos para gastar no Google, Oracle e AWS, que somados chegam a quase US$ 30 mil. Mas o que muitas enxergam como valor são as mentorias com os sócios e executivos do BTG Pactual, além de uma série de empresários de renome que participam do projeto.
São nomes como Stelleo Tolda, cofundador do Mercado Livre; Claudio Galeazzi, famoso por reestruturar empresas em dificuldades financeiras; Sônia Hess, fundadora da Dudalina; André Iasi, CEO da Estapar, entre outros empresários e executivos com muita experiência.
“Foi incrível a conversa com a Sônia Hess, pois 50% do nosso público é feminino”, afirmou Monica Saccarelli, fundadora da Diin, que está mudando seu nome para Grão. A startup desenvolveu um aplicativo com o objetivo de ajudar as pessoas a pouparem, através da economia de pequenas somas de dinheiro, um modelo de negócio baseado no da americana Acorns.
“No pior cenário, se a startup achar o programa ruim, ela vai ter mentoria com um monte de gente legal”, afirma Pompeu, do BTG Pactual. “No melhor cenário, ele vai arrumar um cliente do porte do BTG Pactual e receber um investimento.”
Embora não seja esse o objetivo, ao fim do processo, o BTG Pactual pode investir na empresa. Até agora, o banco de investimento já fez cinco aportes
Embora não seja esse o objetivo, ao fim do processo, o BTG Pactual pode investir na empresa. Até agora, o banco de investimento já fez cinco aportes. Receberam recursos a Agronow, que faz mapeamento por satélites de áreas agrícolas; a Digesto, uma legal tech; a Finpass, uma espécie de Tinder do crédito, que dá match entre empresa e quem quer tomar crédito; a Liber Capital, um marketplace de antecipação de recebíveis de crédito; e a Resale, uma plataforma de compra de imóveis retornados.
Em quase todos os casos, o BTG Pactual comprou uma fatia minoritária entre 10% e 20%. Houve, até agora, apenas uma exceção. “No caso da Resale, fizemos um investimento maior e compramos o controle”, afirma Pompeu, explicando que a startup tem muito sinergia com a Enforce, empresa do grupo de que atua na gestão de crédito inadimplentes corporativos.
O NeoFeed participou do DemoDay do Batch 4 do programa e encontrou na plateia uma série de investidores. Entre eles, estavam pessoas da Redpoint eventures, Astella Investimentos e Iporanga Ventures.
Novos serviços
O boostLAB é a porta de entrada do BTG Pactual para o ecossistema de startups. A partir daí, a ideia do banco é se aproximar das empresas iniciantes para oferecer uma série de serviços. Um deles é a recém-criada área de venture debt, na qual oferece crédito para startups.
As startups, em geral, são deficitárias, pois estão em fase de crescimento acelerado. Por esse motivo, é muito difícil que consigam crédito no mercado. A alternativa para obter recursos é vender uma participação a fundos de venture capital para financiar a expansão ou a compra de empresas.
No caso do venture debt, o banco fornece o crédito sem comprar nenhuma fatia. A lógica é emprestar dinheiro para que a startup possa, por exemplo, comprar outra empresa, crescer seu faturamento e assim aumentar seu valor. Quando a startup fizer uma nova captação, paga ao BTG Pactual o empréstimo e mais uma taxa de performance pelo aumento de valorização.
O primeiro caso dessa nova linha de negócio do BTG Pactual foi a compra do Buscapé pelo Zoom. Outros exemplos já aconteceram, mas Pompeu não revela os nomes das empresas nas quais o banco financiou.
O BTG Pactual também está estruturando um fundo de fundos para investir em venture capital. Segundo o prospecto, o objetivo de captação do BTG Pactual Multigestor Venture Capital II é de R$ 300 milhões.
O BTG Pactual está captando R$ 300 milhões para investir em gestoras de venture capital globais e da América Latina
O fundo é voltado para investidores profissionais (que têm mais de R$ 10 milhões investidos no mercado financeiro ou que trabalham em instituições financeiras). A taxa de administração é de 1,5% ao ano.
O portfólio pode contar com até 40% dos recursos alocados em gestores com estratégias globais e 60% na América Latina, focados em empresas em estágio mais avançado.
Concorrência
O BTG Pactual não é o único banco que quer atrair as startups. Com o avanço do ecossistema de inovação no Brasil, muitos estão de olho no potencial de crescimento dessas startups.
Não é para menos. Até pouco tempo atrás, o Brasil não contava com unicórnios, como são chamadas hoje as empresas que valem mais de US$ 1 bilhão. Mas isso mudou nos últimos anos.
Com o avanço do ecossistema de inovação no Brasil, muitos bancos estão de olho no potencial de crescimento das startups
A lista de unicórnios brasileiros, desde 2018, não para de crescer. Ela inclui 99, Nubank, iFood, Movile, Gympass, QuintoAndar, Loggi, Ebanx e Wildlife. E a tendência é que a coleção de startups bilionárias aumente em 2020.
O Bradesco e o Itaú, por exemplo, criaram hubs de inovação para se aproximar de startups. O banco de Osasco, por exemplo, aposta no InovaBra Habitat. A instituição financeira da família Setubal e Moreira Salles apoia o Cubo.
Competindo diretamente com o BTG Pactual, o Itaú BBA está também se aproximando de startups e criou um núcleo específico para atendê-las. “Eles estão bem ativos e estiveram nos visitando para mostrar os seus serviços”, disse ao NeoFeed o CEO de uma startup.
A própria B3 está também se preparando para atrair aberturas de capital de empresas de médio porte. “Acredito que, a partir de 2020, veremos uma redução do tamanho médio dos IPOs no Brasil”, disse recentemente Gilson Finkelsztain, presidente da B3. “Vamos ter um movimento com empresas médias e de menor porte começando a acessar o mercado de capitais.”
Hoje, sete das dez maiores empresas por valor de mercado das bolsas dos Estados Unidos são de tecnologia. São nomes como Microsoft, Apple, Alphabet (Google), Amazon, Facebook, Tencent e Alibaba. No Brasil, não há nenhuma companhia da área tech entre as maiores. “Tenho convicção que daqui a cinco anos teremos empresas de tecnologia entre as dez da bolsa brasileira”, afirma Pompeu.
A briga por quem será o banco das startups (bilionárias ou não), ao que tudo indica, está apenas no começo.