O CIO e sócio-fundador da Legacy Capital, Felipe Guerra, está pessimista e otimista. Não é uma contradição na visão desse gestor, que se notabilizou por traçar cenários precisos e conseguir enxergar tendências.

Guerra está pessimista com a bolsa brasileira. “Não achamos que a bolsa brasileira é a melhor coisa do mundo nesse momento”, diz o fundador da Legacy Capital, em entrevista ao Café com Investidor, programa do NeoFeed que tem apoio do Santander Select.

Ao mesmo tempo, ele está otimista – e de longa data – com os investimentos em tecnologia, em áreas como semicondutores, cloud e inteligência artificial, que são uma posição relevante da Legacy Capital.

Nesta entrevista, que você assiste na íntegra no vídeo acima, Guerra fala sobre a questão fiscal brasileira, chama os títulos isentos de um “Ben Johnson” (corredor canadense pego no doping na Olimpíada de Seul) competindo com anabolizantes contra fundos de bolsa que têm impostos. “É uma corrida desumana: um com anabolizante e outro cheio de saco de batatas nas costas”, afirma.

Simultaneamente, apesar de não acreditar no fim do excepcionalismo americano, Guerra acredita que as “Trumpalhadas” de Trump estão fazendo o investidor diversificar as alocações, o que tem levado capital para diversas outras geografias do mundo.

Confira, abaixo, um pequeno trecho editado da conversa com Guerra:

Uma parte dos gestores está otimista com a bolsa brasileira. De que lado você está: do otimista ou do pessimista?
Entendemos que, nesse momento, a bolsa brasileira já teve uma certa apreciação bastante importante. Do fim do ano passado até onde está agora, houve uma compressão muito grande do prêmio de risco na bolsa brasileira. Como esse prêmio comprimiu muito, acredito que, para a bolsa brasileira performar bem daqui para frente, precisa de um fechamento mais expressivo das taxas de juros no Brasil e de finalizar o ciclo de juros. Quando se compara o retorno que se espera das ações brasileiras com a taxa de juros real do Brasil, é uma diferença que está bastante pequena. Então, há pouco prêmio para correr o risco de bolsa nesse momento. Se os juros fecharem, a bolsa vai subir.

Então, você está pessimista?
Respondendo diretamente: não achamos que a bolsa brasileira é a melhor coisa do mundo nesse momento. Há outras opções de investimento, tanto lá fora como no Brasil.

Muitos gestores do mercado financeiro acreditam que o juro chegou ao topo. Qual sua opinião?
O mercado está dividido. É uma decisão difícil. Tem gente que acredita que vai subir 0,25 ponto percentual. Outros acreditam que vai manter a taxa. Nossa visão é que há espaço para manter ou dar um último 0,25 ponto percentual. E isso não muda nada na economia. Mas, do nosso ponto de vista, é desnecessário, dado onde está o juro real, que é significativamente restritivo.

Estamos perto do fim?
Sim, acreditamos que o ciclo está próximo do fim. Mas também é verdade que a economia segue mostrando bastante resiliência. A taxa de desemprego está próxima das mínimas. O PIB do primeiro trimestre veio forte, e há uma projeção de 2,5% em 2025. Apesar de o ciclo estar perto do final, parece cedo para acreditar que se está na iminência de ter um ciclo de queda de juros no Brasil.

Quando o juro começa a cair?
Diria hoje que será quando o Banco Central conseguir enxergar que a economia estabilizou ou deu uma leve desacelerada. Só aí vai poder iniciar um processo de corte de juros. Temos uma visão de que, no segundo semestre, a economia vai estar num ritmo mais fraco do que no primeiro semestre, e a inflação está caindo. A minha estimativa é que o Banco Central possa vir a cortar os juros no fim deste ano. Talvez no começo do ano que vem.

Como você avalia a MP do IOF, que pretende cobrar imposto de títulos isentos?
O Brasil tem um problema macrofiscal importante. E estamos num governo que tem tentado fazer um certo esforço pelo lado de executar um superávit primário. Mas parece um governo que tem por mentalidade gastar mais e compensar isso com aumento de impostos. Isso está chegando a um limite. A sociedade não aguenta mais. Está num esgotamento.

O que fazer?
Precisamos ter uma discussão séria entre os três Poderes para adequar essa situação. Agora, a verdade é que a gente critica muito o governo federal. É muito fácil bater no ministro da Fazenda quando ele está fazendo contingenciamento e lutando para aumentar imposto. Mas a gente tem um Congresso também que não ajuda em nada. Faz um discurso bonito para fora, mas, para dentro, não vemos nenhuma reforma estruturante andando no Congresso. A reforma tributária está toda fatiada, para não dizer malfeita, até aqui. Vemos também uma ansiedade, um desejo, por cada vez mais emendas, emendas e emendas. Não se fala em reduzir gastos no Legislativo e no Judiciário. É fácil bater no governo federal, que tem sua culpa, mas também há um Congresso que está desalinhado com o que o país precisa.

E a questão do IOF e da tributação dos títulos isentos?
O correto, nessa parte de investimentos, é ter uma alíquota única e não ter isenção para nada: nem para LCA, LCI, CRA, CRI. Mas que a alíquota média fosse baixa para todo mundo: para os CDBs, para os fundos de investimentos, para os fundos de ações. E, com isso, o investidor pudesse chegar aqui e escolher qual investimento acha melhor. E não haveria essa distorção tão grande. Hoje, o isento é o Ben Johnson (corredor canadense pego no doping na Olimpíada de Seul) competindo com anabolizantes contra fundos de bolsa que têm impostos. É uma corrida desumana: um com anabolizante e outro cheio de saco de batatas nas costas. É como o país está caminhando.

Deixando o fiscal de lado, quer dizer que os títulos incentivados criam uma distorção no mercado?
Acredito muito nisso. Isso causa distorções e existe um lobby enorme em cima dessas distorções, seja do setor de infraestrutura, que quer estar subsidiado a taxas menores. Empresas grandes, com acesso a capital, vão pelo caminho do isento. E empresas menores, que precisam muito mais de capital e têm dificuldade de acessar o mercado de crédito, pagam IOF no rotativo e no risco sacado. É quase inviável. Você pode quebrar empresas pequenas para dar um benefício para empresas grandes no mercado de debêntures incentivadas. É uma distorção enorme.

No lado internacional, Trump tem recuado em sua guerra tarifária. Como a Legacy se posiciona nesse cenário?
A gente observa dois grandes temas no nosso portfólio nesse momento. O primeiro é mais estrutural e estamos otimistas de longa data. É o ânimo com tecnologia, com inteligência artificial, com potencial ganho de produtividade. Estamos bem investidos há muito tempo, desde o pós-pandemia, com ações ligadas à tecnologia, como semicondutores e a parte de cloud. São as ferramentas que possibilitam o avanço da inteligência artificial.

Isso na bolsa dos Estados Unidos?
Sim, na bolsa americana, que é onde você encontra os melhores players. Temos alguma coisa na China e na Europa, mas nossa posição está bem concentrada nos Estados Unidos.

E o que mais?
Gostamos muito desse tema e acreditamos que é algo que vai se perpetuar. É uma posição relevante. Esse é um tema estrutural para nós. E tem um impacto, dentro desse mesmo tema: o mundo vai precisar de capacidade computacional e vai precisar de energia. Temos olhado, no mundo, o setor de urânio e temos estudado bastante empresas de energia nos EUA e na Europa.

"Quando o Trump está fazendo as “Trumpalhadas” dele, você está, na verdade, afastando o investidor dos Estados Unidos"

Que empresas vocês têm no portfólio?
Tem Microsoft, TSMC, Meta, Amazon. São algumas das empresas do portfólio. E a Nvidia também.

Você não enxerga a China como um concorrente dos Estados Unidos?
Acredito que há espaço para os dois. As empresas multinacionais não vão trocar uma plataforma da Microsoft por uma chinesa em hipótese nenhuma. Especialmente as americanas. Há um espaço enorme no Ocidente para as empresas americanas. E emergentes e países da Ásia podem usar os chineses. Essa competição está aí para ficar. Os EUA têm capital humano e financeiro e estão à frente em um pedaço dessa tecnologia. E a China está à frente na área de robótica.

E qual o segundo tema?
É mais conjuntural e relacionado com as atitudes do Trump: que é a busca por diversificação. Quando o investidor quer sair um pouco do Treasury e da bolsa americana, esse pouco vai para países emergentes. E esse pouco é muito. Para eles (EUA), US$ 1 bilhão de dólares não é nada. No Brasil, se entra US$ 1 bilhão, você faz um movimento razoável na bolsa brasileira. Esse dinheiro tem fluído para outros países. Você observa as bolsas na Europa nas máximas. A bolsa brasileira tem subido bastante. A do México e da Coreia também têm subido bastante. A bolsa chinesa deu uma recuperada razoável.

Quais são os efeitos disso?
São dois efeitos. Você provoca uma apreciação dos ativos fora dos EUA. E há outro efeito, que provoca uma queda do dólar. É uma quebra de correlação, de certa forma. Quando o Trump está fazendo as “Trumpalhadas” dele, você está, na verdade, afastando o investidor dos Estados Unidos. Toda vez que ele (Trump) faz algo, o dólar tem ficado mais fraco. Tem um pouco disso na presença nos nossos portfólios.

Vocês, então, estão com mais exposição fora dos EUA?
Sim. Acabamos tendo mais coisas da Europa. Começamos a olhar alguma coisa da Ásia. E isso abre espaço para ficar animado com o Brasil, seja em juro ou bolsa. E cria uma condição de o dólar ficar mais fraco. Gostamos de uma posição vendida em dólar contra uma cesta de moedas.

Tem uma corrente que acredita no fim do excepcionalismo americano. Qual sua opinião?
Não acredito. Os Estados Unidos vão continuar sendo um país com uma demografia favorável, um capital humano fantástico, um capital financeiro gigantesco. É uma economia que consegue crescer sem rodar com uma inflação muito alta. E tem uma produtividade em evolução. E vamos ter um choque de produtividade. O risco dos EUA é crescer mais, não menos. Salvo o Trump ou alguma questão geopolítica. Mas é uma janela pontual. Numa janela mais longa, os Estados Unidos são excepcionais.

Com a questão da diversificação, como está seu portfólio no Brasil?
Os ativos do Brasil estão melhorando ao longo do ano. O dólar está caindo de forma significativa. A bolsa está subindo de forma significativa. Os juros fecharam de forma significativa – depois de uma piora muito grande. Mas a mensagem que queria passar é que os ativos do Brasil estão melhorando não porque o Brasil esteja fazendo algo que mereça essa melhora. A gente está melhorando, mas está melhorando em todos os lugares. O real está melhorando, mas as moedas mexicana, chilena, coreana estão melhorando. É uma melhora sincronizada das moedas, bolsas e juros de forma geral. O Brasil não fez nada por merecer essa melhora. Estamos surfando uma grande janela de oportunidade do mercado internacional.

Mas como estão posicionados aqui?
Estamos neutros para equity. Temos uma carteira long e short de empresas que enxergamos que alocam melhor o capital. No Brasil, perto do fim do ciclo de aumento de juros, em geral, é bom estar aplicado nas NTN-Bs, nos juros. E, como a gente acredita que o juro vai ficar alto por muito tempo, isso tende a favorecer a moeda.